Cortesia de publicacoesediouro
Com a devida vénia a Pedro Silva, Ediouro Publicações, Rio de Janeiro, 2001, ISBN 85-00-00757-5.
A Ordem dos Cavaleiros Pobres de Salomão, como era conhecida na segunda década do século XII, já despertou o interesse de muitos historiadores, considerando a vasta literatura existente. Desejamos dar conhecimentos sobre o que ela também representou em Portugal, seus feitos e seu inegável legado histórico para o Brasil. O presente estudo baseou-se em dois princípios fundamentais: objectividade e concisão. A bibliografia selecionada reúne documentos fidedignos, cujos autores são de reconhecida notoriedade. Teve-se o cuidado de não se deixar levar pela probabilidade dos factos históricos, mas acatar, ao contrário, a veracidade deles. Há também verdade na ficção ao se romancear histórias, tornando-as mais pitorescas e de grande aceitação. O tratamento não-ficcional, entretanto, foi o adoptado para se desenvolver o tema. Embora o autor seja português e viva em Tomar, a cidade templária por excelência, manteve-se a isenção necessária para a elaboração de um trabalho de cunho científico.
Planta de Jerusalém no tempo das Cruzadas
Cortesia de fcshunl
Enfim, o que se pretendeu, principalmente, foi fazer um resumo histórico dessa Ordem Militar e Religiosa tão importante na Idade Média e sua decisiva participação na consolidação do território português.
Nascimento da Ordem
Ao tratarmos da notável história dos Templários é necessário que se compreenda a Idade Média no século XI, no tempo das Cruzadas. O homem medieval era essencialmente religioso e, na Europa Ocidental, um fiel servidor de Deus e da Igreja. Embora estivesse sob o domínio do Senhor Feudal, esse homem não se autodefinia como um inglês, francês ou alemão, mas como cristão, tão grande era o domínio universal da fé. Como as nações ainda não existiam, não poderia existir também igrejas nacionais. Para a Igreja Romana, as Cruzadas representaram a expansão do cristianismo. O combate ao infiel muçulmano e a reconquista da Cidade Santa de Jerusalém foram incentivados pela Igreja. O papa Urbano II estava preocupado com os ataques e molestamentos dos cristãos que eram oprimidos ao se dirigirem à Cidade Santa.
Exortou-os, então, a lutarem contra os inimigos de Cristo e prometeu a todos os que se empenhassem nessa causa a concessão de indulgências. O uso da violência incentivado pelo Papa foi defendido por São Bernardo, abade de Clairvaux, o qual refutou as críticas dos clérigos ortodoxos, segundo as quais o derramamento de sangue era vedado àqueles que desejassem ingressar em ordem clerical. Eis a sua exortação dirigida aos Cavaleiros do Templo:
- «Na verdade, os cavaleiros de Cristo travam as batalhas para seu Senhor com segurança, sem temor de ter pecado ao matar o inimigo, nem temendo o perigo de sua própria morte, visto que causando a morte, ou morrendo quando em nome de Cristo, nada praticam de criminoso, sendo antes merecedores de gloriosa recompensa. Assim, sendo, por Cristo! E então, Cristo será alcançado.
Aquele que em verdade, provoca livremente a morte de seu inimigo como um acto de vingança mais prontamente encontra consolo em sua condição de soldado de Cristo. O soldado de Cristo mata com segurança e morre com mais segurança ainda. Serve aos seus próprios interesses ao morrer e aos interesses de Cristo ao matar! Não é sem razão que ele empunha a espada! É um instrumento de Deus para o castigo dos malfeitores e para a defesa do justo. Na verdade, quando mata um malfeitor, isso não é um homicídio, mas um malicídio e ele é considerado um carrasco legal de Cristo contra os malfeitores.
Cortesia coisaseloisas
Com essa doutrina, as célebres Cruzadas passaram a ser apoiadas por todos os líderes máximos da Igreja contra os infiéis muçulmanos.
Existia na Idade Média uma ideia de bravura que vinha directamente de ordens religiosas como as dos Jom-Vikings, cuja disciplina era mantida à custa de mil provações e tinham como maior ambição a morte em combate. Corroborando essa ideia, a Igreja tentou incuti-la em seus fiéis. Um guerreiro cristão deveria ser piedoso, afável, solícito e preferir a morte à desonra, porque esta carecia de defesa própria. Votos de castidade, bênção de armas e promessas de descanso eterno, caso morressem na defesa de um ideal, eram algumas das indulgências concedidas ao cavaleiro cristão. O Papa Gregório VII criou, até mesmo, um exército papal chamado Militia Sancti Petri, com o objectivo de disputar uma guerra santa.
Quando em 1099, os cavaleiros das cruzadas reconquistaram Jerusalém, a Cidade Santa por excelência, bem como outros lugares santos, em regiões próximas ao Oriente, numa guerra sangrenta, na qual 70 mil pessoas morreram e que durou três dias, recobrou-se a fé cristã. Conforme relato de um cronista muçulmano, esse massacre aconteceu na mesquita de al-Aqsa, na qual suas vítimas eram imãs estudantes muçulmanos, homens devotos e ascetas que abandonaram suas terras de origem para viverem na Terra Santa em piedade e reclusão.
Desde então, deram-se início às conquistas religiosas, por meio de armas, por todo o Oriente. E isso só foi possível por causa do papa Urbano II, mentor fundamental dessa estratégia, ao solicitar a defesa intransigente da cidade de Jerusalém. Em 1100, Balduíno I sucedeu ao seu irmão, tornandose rei e senhor da Cidade Santa. Havia o perigo constante exercido pelos muçulmanos em promover novas guerras e invasões a Jerusalém e ataques aos peregrinos que se dirigiam a ela. Com o sistema de arrecadação de tributos desestabilizado, todo o sistema de defesa existente enfraqueceu-se. Havia cerca de 400 anos que o reino tentava libertar-se do domínio muçulmano, mas, devido a todos esses factores negativos, nunca o território fora considerado totalmente cristão.
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Durante os anos seguintes, vários conflitos irromperam em locais que se mantiveram em permanente alerta, a fim de defenderem as possessões que, de repente, podiam ser conquistadas pelo inimigo. Mesmo as mais imponentes fortalezas não resistiram às vagas sucessivas de exércitos sedentos de vingança. Jerusalém estava isolada ao redor de territórios controlados pelos mouros e se tornara cobiçada por causa da sua importância histórico-religiosa, que, mesmo durante o domínio muçulmano, nunca deixara de ser o local preferido de peregrinação cristã.
Nela a Igreja do Santo Sepulcro reportava os fiéis à ressurreição de Cristo. Em 1118 já sob o domínio cristão, os caminhos que davam acesso aos locais da fé eram bastante perigosos, por causa de emboscadas constantes praticadas pelos mais diversos tipos de malfeitores, salteadores e estupradores que viviam em cavernas nas colinas da Judéia e aguardavam o desembarque de peregrinos em Jafa ou Cesaréia. Um dos locais da fé bastante trilhado pelos peregrinos ficava a leste de Jericó, no rio Jordão, onde muitos cristãos eram rebaptizados em suas águas. Actos criminosos eram praticados por saqueadores sarracenos e bandoleiros beduínos contra os que peregrinavam entre a costa marítima e a cidade, factos comprovados por documentos da época que descreviam os caminhos repletos de corpos humanos insepultos já em estado avançado de decomposição. Motivados, em princípio, pela defesa desses caminhos, eis que surgiu então um grupo de cavaleiros cristãos o qual foi formado primeiramente por três grandes personalidades da França:
- Hugo de Champagne,
- Hugo de Payns,
- São Bernardo.
Em 1114, o nobre Hugo de Champagne, dono de um dos mais valiosos conjuntos de possessões na França, deslocou-se por um breve período entre o Oriente e a sua terra natal, na qual se encontrou com São Bernardo, um fervoroso seguidor de Santo Agostinho de Hipona, cuja doutrina justificava o uso da violência, quando praticado em legítima defesa.
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Essa doutrina foi absorvida pelo pensamento papal a fim de que os peregrinos também fossem armados e capazes de se defenderem dos sarracenos. São Bernardo era um clérigo de capacidade intelectual invejável e de um profundo sentimento religioso, superando com esses méritos os seus pares. Hugo de Champagne manteve com ele diálogos tão esclarecedores e transcendentes, a ponto de os estudiosos não duvidarem de que ambos lançaram os fundamentos do regimento da futura ordem.
Antes de abandonar a Europa, Hugo de Champagne ofereceu a Abadia de Clairvaux a São Bernardo. Já no Oriente, Hugo de Payns, vassalo de Hugo Champagne, surgiu como o último vértice do triângulo fundamental nos primórdios da constituição da ordem religiosa. Hugo de Payns, com o poder e o apoio de seu senhor, também tornou-se amigo de São Bernardo e profundo conhecedor de sua doutrina e obra, as quais lhe causaram profundo sentimento religioso e repúdio aos crimes cometidos contra os peregrinos. Em 1118, juntamente com Godofredo de Saint-Omer, outro valoroso cavaleiro, resolveram fundar uma ordem religiosa e militar conhecida por Pauperes Commilitiones Christi Templique Salomonis, ou seja, «Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão», e passaram a ser chamados sucessivamente de «Os Pobres Soldados de Jesus Cristo e do Templo de Salomão», «Os Cavaleiros do Templo de Salomão», «Os Cavaleiros do Templo», «Os Templários», e finalmente «O Templo».
Adoptaram a divisa Non nobis, Domine, non nobis sed nomini tuo da gloriam, «Não para nós, Senhor, não para nós a glória, mas só em teu Nome».
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Alguns meses depois, juntaram-se a eles outros cavaleiros: Geoffroy Bisot, Payen de Montdidier, Archambaud de Saint-Aignan, André de Montbard (tio de São Bernardo), Gondemar e Jacques de Rossal. Este pequeno grupo foi recolhido por Balduíno I numa das mais modestas acomodações do Templum Salomonis (Templo de Salomão), em Jerusalém, e teve inicialmente como objectivo a protecção dos peregrinos e como votos iniciais a pobreza, a castidade e a obediência. Quando, algum tempo depois, o rei Balduíno I abandonou o Templo de Salomão, este não se eximiu de oferecer a totalidade das instalações àquela ordem religiosa e militar, derivando daí o nome pelo qual passou a ser comumente conhecida: Ordem do Templo, composta por nobres cavaleiros dispostos a defenderem a fé cristã com a própria vida. Para eles a fé inabalável em Deus e a disposição em defendê-la até com o uso da violência não causavam nenhum drama de consciência, nenhuma contradição que os dissuadisse desse intento, embora a exortação de Jesus Cristo fosse oferecer a outra face, fundamento cristão pregado pela Igreja primitiva. No entanto, era preciso considerar o momento histórico de então, quando havia a necessidade imperiosa de defesa da Igreja perante uma fé muçulmana sempre baseada na força. Nesses cavaleiros estava incutida a ideia de que matar em nome de Deus era justificável e de que morrer por Ele, santificável.
Dois anos depois, em 1120, o rei de Jerusalém elaborou nova forma de combater a ameaça muçulmana; ou seja, pela primeira vez a cidade de Jerusalém seria protegida pela construção, de uma enorme muralha para fortalecer a sua defesa. Medidas tarifárias em relação aos alimentos também foram tomadas, isentando-os de qualquer taxa com o objectivo de povoá-la pelos cristãos. Torná-la mais atraente era o objectivo, e a presença da Ordem do Templo era o meio de alcançá-lo. Não se obteve, contudo, sucesso nessas medidas, pois tanto a presença dos cavaleiros Templários quanto as políticas revelaram-se ineficazes.
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Diante disso, e vendo os anos se passarem sem qualquer alteração no rumo dos acontecimentos, o mestre da Ordem, Hugo de Payns, decidiu deslocar-se para o Ocidente, em 1126, a fim de recrutar cavaleiros europeus. Numa série de viagens e servindo-se de diversos contactos estabelecidos através da personalidade de São Bernardo, Hugo obteve resultados animadores. Os cronistas, com certo exagero, divulgaram que ele conseguira mais adeptos do que o Papa Urbano II para a Primeira Cruzada. Documentos públicos comprovavam que muitos nobres ou venderam seus bens ou levantaram empréstimos a fim de participarem de uma cruzada. Numa carta de encorajamento dirigida aos cavaleiros Templários em Jerusalém, Hugo tentou incutir neles a ideia de uma espécie de renascimento da Ordem, através da repetição da mensagem principal, ou seja, a de serem monges-guerreiros, inspirados pelas Escrituras Sagradas.
Graças ao apoio bem-sucedido de São Bernardo, em Janeiro de 1128, o Concílio de Troyes reuniu-se com o objectivo de analisar as pretensões de Hugo de Payns e de André de Montbard. Entre os membros do Concílio contavam-se, entre outros, Bernardo, o abade de Clairvaux, o núncio do papa e os arcebispos de Reims e Sens. Precisamente pela decisão dessas personalidades da Igreja por ordem do Papa Honório e de Estêvão, patriarca de Jerusalém, foi criada uma norma como directriz de actuação para a Ordem, sendo-lhes atribuído o hábito branco. Esse foi o melhor apoio que a Ordem poderia receber, na Idade Média, porque ela deixou de ser uma organização clandestina para ganhar notoriedade e reconhecimento pela Igreja Católica». In Pedro Silva, História e Mistérios dos Templários, Rio de Janeiro, Ediouro, 2001, ISBN 85-00-00757-5.
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