segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Gama Caeiro. A Assistência em Portugal no Século XIII e os Cónegos Regrantes de S. Agostinho: «Os livros exigidos pela própria orgânica da comunidade canónica, além da "Sagrada Escritura" para a "lectio divina". A "Regula Sancti Augustini", dos Regrantes de Santo Agostinho. E, no caso português, S. Vicente de Fora, em Lisboa, Santa Cruz, em Coimbra, sabemos que tais obras aí existiam»

Cortesia de incm

«Se exceptuarmos o mosteiro cisterciense de Santa Maria de Alcobaça, as duas corporações religiosas que nos séculos XII e XIII desempenham em Portugal papel de maior relevo social, político e cultural pertencem a cónegos regrantes, em Lisboa, S. Vicente de Fora, e, em Coimbra, Santa Cruz.
Parece assim ocioso salientar o interesse em esclarecer a efectiva actuação assistencial dos regrantes portugueses na Idade Média:
  • estudo sugerido agora, mas a demandar continuação, com pesquisa sistematicamente conduzida, em domínio quase por explorar.
A investigação a fazer no caso português poderia abranger, numa primeira fase, os seguintes aspectos:
  • A pesquisa metódica -nos textos da época- das expressões e termos ligados à «pobreza»;
  • A indagação analítica da noção de pobreza: o conteúdo e a evolução histórico-doutrinal do conceito, a distinção entre o seu valor como riqueza espiritual e a sua acepção de degradação material;
  • A projecção em formas concretas da assistência a essa mesma pobreza, na vasta trama de relações de natureza económica, social e religiosa;
  • E, finalmente, o exame comparativo da prática assistencial nas canónicas portuguesas e das actuações desenvolvidas na mesma época pelas outras instituições similares da Europa.

Cortesia de teleios

Estes são, decerto, alguns dos ângulos possíveis de tratamento, muito esquematicamente referidos, de uma realidade que se apresenta muito mais ampla para a investigação, mas pretendemos salientar, apenas, as directrizes que de modo mais directo se aplicam ao nosso tema.
Todo o medievalista pressente que uma inquiração sobre a pobreza e assistência exige uma nova leitura das fontes literárias e de documentação porventura já conhecidas, mas realizadas antes com critério e visão crítica diferentes.
Para obedecer à distinção feita no esquema:
  • primeiramente, quanto à pesquisa terminológica e à análise conceptual sobre o «pobre»,
  • em segundo lugar, o padrão criado de pobreza, e a assistência como termo correlativo daquele.
Lembremos, por exemplo, as «vitae» dos santos ou de fundadores de ordens religiosas e mosteiros, cujo carácter hagiográfico, os «tropos» usuais, o recurso ao milagroso parecem, por vezes, repugnar à exigência de objectividade científica do trabalho histórico.
Cortesia de civilitaschristiana

Mas essas legendas, que, não é de mais recordá-lo, «eram para ler» pelos homens da época, correspondiam a uma «imagem proposta» e, de algum modo, assumida, de valores encarnados na vida concreta.
Especificando agora para os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, em Portugal: em alguns conhecidos textos literários medievais, tais como «A Vida de D. Telo ou A Vida de S. Teotónio», estabelece-se aí um padrão do «homem virtuoso, dotado de profunda caridade e que é paradigmático de todo o cónego regrante. Ora, aí, as relações com o pobre oferecem o maior interesse para o nosso tema. Paradigma decalcado por vezes em outros modelos, quando não lugar-comum da época: isso não prejudica, contudo, a «vigência do padrão».
Outra fonte mais importante ainda, para o estudo em particular da assistência no âmbito desta corporação religiosa, é constituída pelas obras da espiritualidade, na sua ampla acepção.
Os livros exigidos pela própria orgânica da comunidade canónica: além da «Sagrada Escritura» para a «lectio divina» e dos comentários patrísticos, a «Regula Sancti Augustini», imprescindíveis todos eles na livraria de mão dos Regrantes de Santo Agostinho. E, concretamente no caso português, S. Vicente de Fora, em Lisboa, Santa Cruz, em Coimbra, sabemos que tais obras aí existiam, comprovadamente.

O ideal de pobreza estava preceituado na chamada «Regra de Santo Agostinho». Como é sabido, Santo Agostinho fundou diversos mosteiros, pelo menos, dois de monges e um de monjas, mas não redigiu para eles normas de proceder que formalmente pudessem considerar-se uma regra». In A Pobreza e a Assistência aos Pobres na Península Ibérica durante a Idade Média, Instituto de Alta Cultura, Centro de Estudos Históricos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1974.

Cortesia de Imprensa Nacional-Casa da Moeda/JDACT