quinta-feira, 18 de agosto de 2011

J. Oliveira Martins. História de Portugal: A Separação de Portugal. «Portugal retraía-se aos primeiros limites, do Minho ao Mondego, do condado criado por Afonso VI; e os cálculos do conde borguinhão frustravam-se, depois de menos de vinte anos de indeciso domínio. Esse infortúnio da «Regina» de Portugal acabou de decidir os invejosos do conde galego, seu amante»

Cortesia de wikipedia

«No meio das agitadas circunstâncias do seu breve governo, não deixou abandonadas as conveniências próprias, como dona e senhora do Estado português. Muitas vezes se lêem descrições de uma vida sentimental e heróica, em que as mulheres andam loucas de paixões poéticas, e os homens, tipos de nobreza e audácia, são vítimas dos conflitos do amor e da honra. Não há nada mais diferente da verdadeira, do que essa Idade Média das óperas.
A carnalidade desenfreada, o cinismo e a perfídia, uma frieza sempre calculadora, uma ambição feroz, uma avareza sórdida, uma corrupção de todas as fontes da vida moral, eis aí o que de facto constitui a vida aristocrática da Idade Média. Onde está a causa de tamanhas desordens? Está na coexistência e no conjunto de condições bárbaras e de tradições cultas. De onde provém a ilusão com que muitos supuseram belezas espontâneas nos caracteres, e nobres dedicações nos actos, criando com a fantasia um falso quadro de encantos? Da ingenuidade dos tipos bárbaros.

Cortesia de wikipedia

Há, com efeito, na natureza espontânea o quer que é de sedutoramente belo, que nos chama para uma região de deleites inconscientes: assim todas as descrições das sociedades primitivas produzem em nós uma impressão vivificante, e desde logo somos levados a engrandecer e nobilitar os homens ainda não corrompidos pelas aberrações da civilização. É mister porém observar que tais homens primitivos não são os do XI século; que na Idade Média existem e vivem, principalmente por via da Igreja, todas as tradições da cultura antiga; e que a conjunção da barbárie e do requinte lança nos caracteres uma semente de perversão, pronta a rebentar em actos monstruosos, tão corrompidos no princípio, como bárbaros na forma. É popular o sentimento de tédio e nojo para com o império de Bizâncio; pois as causas originárias dessa repugnância são também comuns às sociedades neolatinas ou neogodas da Espanha. Só variam as proporções: os elementos combinados são os mesmos. No Oriente a cultura é maior, os costumes mais requintados; aqui é maior a rudeza, e a feição bárbara predomina. Por isso os vícios procuravam, além, esconder-se sob o manto das convenções; e aqui se expandem ingénua e francamente, à luz de uma ignorância quase primitiva.

D. Teresa
Cortesia de wikipedia

Assim que, D. Urraca morreu, Afonso VII, depois de conquistadas ao vizinho aragonês as cidades de Castela, olhou para oeste, a fim de reconstituir de novo a monarquia leonesa, fazendo regressar ao seu domínio os territórios de Campos e da Galiza. A invasão e a guerra duraram apenas uma campanha; e a amorosa Teresa curvou-se ao império das condições, reconheceu o facto da conquista, e confessou com humildade a vassalagem ao sobrinho leonês.
Portugal retraía-se aos primeiros limites, do Minho ao Mondego, do condado criado por Afonso VI; e os cálculos do conde borguinhão frustravam-se, depois de menos de vinte anos de indeciso domínio. Esse infortúnio da «Regina» de Portugal acabou de decidir os invejosos do conde galego, seu amante. As tendências de sublevação, até aí sopitadas ou mal definidas, tomaram corpo e unidade; e a revolta declarada dos barões achou nos desastres de 1127 motivo suficiente para se erguer em campo aberto.

Capitaneava a revolta o infante português. Não é esta a única ocasião em que vemos erguerem-se em armas os filhos contra os pais, os irmãos contra os irmãos, como prova de que, se os sentimentos andavam pervertidos pelos instintos brutais, os vínculos da família eram apenas laços ténues que se rompiam ao impulso de qualquer exigência da cólera ou da ambição. Nem sentimentos, nem instituições fixas: uma anarquia total no indivíduo e na sociedade, uma desordem acabada na moral e no direito, eis aí as bases históricas da Idade Média, cujo deus é a força». In J. Oliveira Martins, História de Portugal, A Separação de Portugal, Guimarães e Cª Editores, 16 edição, 1972.

Cortesia de Guimarães Editores/JDACT