sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Manuel Cadafaz Matos. Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI: «Documentos analisados por Henri-Jean Martin provam as ligações da “técnica da punção” em ourivesaria com a técnica de impressão com caracteres móveis. Gutemberg, em quem se vê tradicionalmente o inventor da imprensa, tinha, segundo revela aquele especialista, sido ourives»

Cortesia de paulocampos

Gutemberg e a técnica das punções na ourivesaria alemã do século XV
A “descoberta” ou “invenção”, chamemos-lhe assim por comodidade de expressão, da imprensa na Europa, atribuída a Hans Gensfleich de Mogúncia, mais conhecido por Gutemberg (1397-1468), apresenta algumas características basilares, como tentámos comprovar, idênticas às técnicas de impressão também conhecidas em outras regiões do globo.
Gutemberg veio, porém, introduzir algumas modificações nesse mesmo sistema. A sua técnica inovadora não se afirmaria, seguramente, não fora o contributo dado pela ourivesaria alemã desse século XV. Ele conhecia, com efeito, e tal facto encontra-se documentalmente comprovado, a técnica das punções utilizadas pelos ourives na Europa de então, em particular na sua cidade de Mogúncia. Tal técnica terá, decerto, influenciado este mestre da arte de impressão no sentido de utilizar caracteres móveis que imprimissem, em certa medida, com base neste mesmo princípio de reprografia.
Alguns documentos analisados por Henri-Jean Martin provam bem das ligações estreitas da «técnica da punção» em ourivesaria com a técnica de impressão com caracteres móveis. Gutemberg, em quem se vê tradicionalmente e com uma certa justeza o inventor da imprensa, tinha, de facto e segundo revela aquele especialista sido ourives.


Cortesia de arquivodaudecoimbra

Ourives foi-o também Procope Waldvogel de Praga, que desenvolvia ao mesmo tempo pesquisas análogas às do técnico de Mogúncia. Ourives ainda foram-no muitos mestres impressores da primeira geração, de Balois, nomeadamente, aliás muitas vezes inscritos nas corporações de ourives. Também principiou nessa mesma Arte o impressor de Nuremberga Anthoni de Koberger, muitas vezes considerado, ainda segundo aquele especialista, o editor mais poderoso do seu tempo.
A vasta bibliografia, e obras manuscritas inclusive, analisada por Henri-Jean Martin levaram-no a concluir, com efeito, que «os primeiros livros impressos não saíram de oficinas xilográficas adaptadas à sua nova função: eles foram antes realizados por especialistas do metal».
Foi, de facto, Gutemberg, quem se terá lembrado, a partir de tais princípios ou técnicas, de «utilizar uma prensa para imprimir, além de haver introduzido grandes modificações no método usado para obtenção dos caractéres, fundindo-os em moldes apropriados».
Cabendo-lhe a ideia de ter sido quem primeiro compôs uma página apenas com a ajuda de caractéres móveis, a mais antiga impressão deste tipo, data, segundo Krejca Ales de 1454 e a primeira obra autêntica, nos mesmos moldes, de 1457.
Vítor Falcão dá-nos, porém, já em 1936 e com maior rigor, a partir de um documento de A. Ruppel, então director do Museu Gutemberg, de Mogúncia, o posicionamento cronológico das “descobertas” e laboriosa acção desse impressor germânico.

Cortesia de hirondino

Observando-se, com efeito, as mais antigas obras tipográficas conservadas naquela unidade museológica, conclui-se que o «Fragmento do Juízo Final», de data ainda incerta, é a primeira saída de uma prensa de imprimir outrora ali existente. O tipo de produção patente nesse trabalho, refere Ruppel, «é o primitivo de Gutemberg, que foi utilizado igualmente em bom número de gramáticas latinas, calendários, etc.».
Um desses calendários data de 1448, devendo a sua impressão ter sido feita nos finais de 1447 e já com uma técnica de fundição e de composição bastante avançada. Ora isso leva a admitir que se tal calendário é de 1447, o referido «Fragmento do Juízo Final», de técnica ainda não tanto apurada, é de alguns anos antes, podendo-se admitir o de 1445. Ele terá sido executado, assim, cerca de um ano depois de Gutemberg ter regressado a Mogúncia». In Manuel Cadafaz Matos, Para uma História da Imprensa e da Censura em Portugal nos Séculos XIV a XVI, Publicação do Arquivo da Universidade de Coimbra 1986.

(Continua)
Cortesia do Arquivo da Universidade de Coimbra/JDACT