sábado, 20 de agosto de 2011

Poesia. Júlio Nogueira: Folhas Secas. «Apenas quis que o mesmo pensamento continuasse... e então já triste e lento... Me mostrasse o verídico do sonho»

Cortesia de coimbra1964

Visão Triste
Num ideal, vivia eu outrora,
sempre sonhando em doce primavera,
que, sorrindo-me qual leda quimera,
mostrava já a sorridente aurora.

Mas tive certa noite um pesadelo,
já previsto à noite, quando, na cama,
descansar quis; o coração em chama,
porém, não consentiu, e com desvelo...

Apenas quis que o mesmo pensamento
continuasse... e então já triste e lento...
Me mostrasse o verídico do sonho.

Eu via sim, no fundo dum caixão,
pálida e loira, a minha amada então,
dizendo-me um adeus, num rir tristonho.

Voz de Além-Campa
Só nós descansamos. No outro mundo,
todos buscam a vaidade e o capricho,
não se lembrando de que ao mesmo lixo
todos se reduzem: a lodo imundo!

Se possível fosse voltar ainda
novamente à vida! Então saberia
viver como não soube; e acharia,
no viver, o bem que na hora finda...

Acaba; mas só materialmente,
porque o supremo bem só com o Ente
Supremo, se goza na vida eterna.

Mas como só depois dos tempos idos,
é que vemos os erros cometidos,
deles nos resta pois sofrer a pena.
Sonetos de Júlio D. Nogueira, in «Folhas Secas»
1937, 23 de Dezembro

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