sábado, 5 de novembro de 2011

Herberto Helder. Poesia. O Bebedor Nocturno: «Pára, sangue, de correr sobre a fria terra morta. ...Não és rio que se escoe, nem calmo lago parado, nem fonte que brote assim»

Cortesia de streetgiant

Oração mágica finlandesa
Pára, sangue, de correr,
de ressaltar aos borbotões,
de me inundar como torrente,
de me brotar sobre o flanco.
Como contra uma parede,
imóvel como uma sebe,
lírio marinho direito
como espadana na espuma,
como pedra no talude
e o recife na corrente.

Sangue, sangue, se o desejo
te faz correr com tal força,
circula dentro da carne,
abraça-te aos ossos vivos.
Belo, belo que é correr
na obscura pele compacta,
sussurrando nas artérias,
murmurando contra os ossos.

Pára, sangue, de correr
sobre a fria terra morta.
Não corras, leite, no chão,
sangue inocente no vale,
beleza humana entre a erva,
oiro de heróis na colina.
Desce fundo ao coração,
bate surdo nos pulmóes,
desce, desce fundamente
aos órgãos vivos do corpo.

Não és rio que se escoe,
nem calmo lago parado,
nem fonte que brote assim,
nem barca velha com rombos.
 
Poema de Herberto Helder, in «O Bebedor Nocturno», 2010
 
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