Cortesia de mpvarzim
«Ora, nestas alturas do drama, tudo quanto a efervescência monárquica do amigo particular do genro, pôde fazer em desafronta à majestade do sogro imperial, foi recusar a oferta da ceia, não por horror à hediondez do assassino que lhe fazia o convite, mas pela razão, mais digestiva do que cívica, de já ter ceado.
Mas ei-lo que vai depor ao tribunal; e diz um jornal brasileiro do seu depoimento:
- «Parece que as revelações de Eduardo Freitas são importantes, e que não se limitou a dizer o que viu, como também o que sabia dos antecedentes do crime, e dos seus consequentes, chegando a declarar o nome da pessoa a quem Adriano, depois de dados os tiros, entregou o revólver…»
Estranho amigo de príncipes, este Freitas que passeia de noite com os republicanos exaltados, e deixa fugir sem protesto os regicidas, para, postado no caminho, os denunciar depois aos Lírios da tropa, e aos Bernardinos esbodegados da polícia! Estranho amigo de príncipes, este que dá pormenores sobre as conspirações tramadas contra o trono, mas só no fim das conspirações terem gorado! Ele sabe de tudo, conhece tudo, os antecedentes do crime, o criminoso, as suas relações, as suas ideias, quem lhe sugeriu a tentativa de morte, e quem lhe recebeu a arma, depois dessa tentativa malograda! E a polícia, tão ávida em esquadrinhar de que mansarda robespierriana teria saído o revólver carregado, a polícia depois de o ouvir, manda-o em paz, exactamente como faria a um alguazil, seu, ensaiado a capricho, neste papel de tirano de entremez.
Cortesia de paulocampos
Todos conhecem a situação moral e política do Brasil contemporâneo. É a dum povo jovem debatendo-se como um pássaro, na estreita gaiola dum regime caduco. Os últimos trinta anos transformaram-no. As viagens abriram aos homens de todas as categorias, horizontes intérminos e profundos.
A mocidade veio às escolas da Europa corrigir os vícios da raça amolecida pelos enervamentos do clima, e pela subserviência ancestral, herdada em hábitos tímidos e humildes, desses primeiros colonos grosseiros e plebeus que nós lá pusemos.
De todos os ramos de actividade física e especulativa - do comércio, da ciência, do jornalismo, da política e da arte – tirou o Brasil delegados seus, que envia quotidianamente aos certamens de civilização do velho e novo mundo: e esses homens trazem às missões ardores insaciados, talentos cálidos, curiosidades vívidas e tenazes: e ao voltar ao país, encontrando a rotina em cada braço da especialidade professada, motejam-na, investem com ela, e por último esmagam-na. Hoje, essa vasta nação destinada a ser talvez para o mundo no século XX, o desdobramento daquilo que foi Portugal no século XVI, posto não seja ainda um compósito uniforme de elementos progressivos, marcha todavia a passos de gigante para uma renascença de carácter formidável, que há-de completar-se a breve trecho, mercê dos núcleos de civilização quotidianamente fundados no percurso do império, por esses inovadores que da Europa lhe chegam, devorados de todas as sedes de reforma.
A sua ciência repete as experiências e confirma as leis dos grandes laboratórios da França e da Alemanha. A agricultura restaura-se, amplia-se o comércio; o capital abre fontes de crédito inexauríveis em todos os mananciais esterlinos da Europa e da América do Norte, de onde jorram as grandes empresas de indústria, viação e alta finança. Nascem as artes: a literatura balbucia e tenta adaptar-se às fórmulas científicas em voga, tendo na frente uma poesia, que, à parte a inglesa, é a mais veemente e a mais lírica do mundo.
Cortesia de beja
Porta-trombeta desta era nova que se respira lá por grande número de cidades brasileiras, o jornalismo transmuta-se, revestindo a feição de um grande campo de torneios, onde os campeões vêm luminosamente justar pelos ideais de liberdade, de pátria e de justiça. E sempre que algum patriota, o imperador incluído, circunvaga os olhos à procura de um canto de terra, cuja felicidade aspira para o Brasil, esse canto evocado por cada brasileiro, em horas de êxtase, esse país modelo é sempre o mesmo, os Estados Unidos, com a mesma forma de governo, o mesmo sistema rápido e eficaz de colonização, e o mesmo aspecto de força robusta e de consciência inexpugnável. À hora presente, quase se pode dizer que há no Brasil, entre os homens de acção, um único monárquico, o imperador, e esse por deveres de profissão, jamais por fé. No dia da sua morte, a realeza, cuja actual manutenção é no Brasil simplesmente o acto de deferência de um povo meigo às caturrices de um velho filósofo bondoso, a realeza liquidará em S. Cristóvão, vindo o de Órleans agiotar para junto do seu primo e conde de Paris, o que talvez o faça mais simpático à clientela». In Fialho de Almeida, Carta a D. Luís sobre as Vantagens de ser Assassinado, Assírio & Alvim, edição 1343, 2010, ISBN 978-972-37-1441-8.
Cortesia Assírio & Alvim/JDACT