segunda-feira, 7 de novembro de 2011

João Manuel Parente. Alegrete. Histórico, urbano e rural: «… alguma confusão entre “moinho” e “azenha” e as descrições que obtivemos na bibliografia consultada não coincidem com a realidade que conhecemos na freguesia de Alegrete, em particular na ribeira de Arronches»

Cortesia de entretejodiana

Os moinhos
«Os moinhos, de rodízio horizontal com o seu veio ligado, directamente, à mó, foram referidos por Antípater de Salonica em 85 a.C. Engenhos muito simples e robustos, mas exigindo grande caudal de água para o seu movimento, começavam a encontrar-se a poucas centenas de metros depois da última azenha, para quem descia ao longo da ribeira. O rodízio (de eixo vertical) de cerca de 1.5 metros de diâmetro, rodando no seu "cabouco", na maioria dos casos mesmo junto à água da ribeira, era o seu "motor".
A foto documenta o estado em que se encontrava um desses moinhos.
Embora menos espectaculares que as azenhas não deixavam com tudo o que os envolvia, de ser elementos característicos e dominantes numa paisagem, além de impressionarem pelo seu número:
  • na ribeira de Arronches, só até aos dos três aferidos (incluídos) eram pelo menos dezoito! Sempre teria sido difícil explicar como seria possível a sobrevivência de tantos moleiros com moinhos tão artesanais, situados em locais tão inacessíveis! É uma parte da História que desaparece, sem nunca ter sido escrita.
Sempre notámos alguma confusão entre “moinho” e “azenha” e as descrições que obtivemos na bibliografia consultada não coincidem com a realidade que conhecemos na freguesia de Alegrete, em particular na ribeira de Arronches. Na impossibilidade de obter fotografias explícitas optámos pelos esquemas. O “miolo de um moinho”, segundo um corte imaginário e descrevem-se, de acordo com as referências numéricas, os principais componentes de um daqueles engenhos. Que, ao menos, assim nos fique alguma coisa do muito que se poderia dizer da sua existência e memória.

Esquema, feito de memória, 2002, representando os elementos fundamentais
de um moinho típico da ribeira de Arronches
Cortesia de alegrete

Uma pequena represa (l) - que não existia em todos, era continuada pelo "canal" inclinado que descarregava a água directamente no "rodízio". 2) A "agulha". Uma barra de ferro estava ligada ao madeiro que suportava o rodízio. Accionada por dentro do moinho, junto às mós e regulava o afastamento entre elas. Era a "afinação da pedra". 3) A "biqueira', ligada ao canal, podia levantar-se e a água sob pressão fazia funcionar o moinho ou então baixava cortando o jacto de água fazendo com que esta saltasse por cima do rodízio, que em poucos segundos parava. 4) O "rodízio", com o seu veio, que era de madeira na parte inferior. Em cima encaixava uma barra metálica, de base rectangular, ajustada com cintas metálicas e cunhas, e que terminava num "moente" cilíndrico de aço temperado, que rodava na bucha fixada na mó inferior. No topo da parte cilíndrica havia uma base quadrada que permitia um encaixe de precisão na"cruzeta" de aço de ligação à mó. O "rodízio" (5), visto de cima, constituído por empenas de madeira, inteiriças, e por quatro cintas metálicas (são visíveis duas em tom mais escuro) e por uma peça, também metálica, em cruz", a que chamavam "meio-alqueire" e que suportava todo o conjunto. A mó superior (6) é representada pela sua face inferior para vermos os pormenores: mostra um entalhe em cruz, para encaixar a cruzeta, que excede o diâmetro do orifício central designado por "olho da pedra'; seis cavidades radiais para ventilar, distribuir o cereal e fazer sair a farinha de entre as mós. 7) O jogo de mós na sua posição de funcionamento, onde se figuram a bucha, a cruzeta e o orifício para alimentação de cereal. Finalmente (8), a "moega" feita de madeira ou de cortiça, em forma de pirâmide invertida, parcialmente tapada com a calha (inferior) móvel, para ajuste do caudal de alimentação de cereal às mós (conforme a inclinação da calha). O movimento da mó, através de um dispositivo (não figurado) chamado "taramela” fazia vibrar a calha para ir deixando cair o grão para o olho da pedra.

Azenha típica da ribeira de Arronches
As azenhas, de roda vertical com engrenagem para transmissão do movimento de rotação ao eixo ligado à mó, foram já descritas por Vitrúvio, em 25 a.C. A sua grande roda vertical (de 4 a 6 m de diâmetro), movendo-se muito lentamente por efeito de um "fio de água" que uma estreita caleira conduzia desde a levada até à parte superior da roda, constituíam elementos característicos de uma paisagem muito particular, já que dificilmente se poderiam encontrar tantos destes engenhos em tão pequena área.
Muito próximo das primeiras nascentes da ribeira de Arronches, num percurso de 2 ou 3 quilómetros existiam, pelo menos seis (em funcionamento por alturas de 1940). Hoje (2001) poderá funcionar apenas uma: a de S. lourenço (outrora conhecida por "do João da Quinta”), que foi recuperada recentemente.

Esquema, feito de memória, 2002, representando os elementos fundamentais
de um moinho típico da ribeira de Arronches
Cortesia de alegrete

Referenciamos por l) e 2) as chumaceiras de ferro que serviam de apoio ao eixo principal, feito com um grosso tronco de árvore. 3) O "veio - motor". 4) A roda "grande" da azenha. 5) A caleira, vulgarmente "caleja" para transporte do "fio de água" para movimentar a azenha. 6) A "calha', actuada do interior para o engenho parar ou funcionar. 7) A "engrenagem” para mudança do plano de rotação e aumento de velocidade. A roda ligada ao veio motor é muito maior do que a ligada ao veio da mó o que se traduzia na maior velocidade desta. 8), 9) e l0): exactamente como no moinho. 11) Uma perspectiva da roda grande que mostra porque é que a água nesta actua principalmente pelo seu peso». In João Manuel Parente, Alegrete Histórico, urbano e rural, edições Colibri, 2003, ISBN 972-772-410-8.
Cortesia de E. Colibri/JDACT