terça-feira, 2 de outubro de 2012

FCG. A Obra Poética de Francisco Manuel de Melo. José Pina Martins. «Autor multifacetado, polígrafo, e seguramente um dos maiores da literatura portuguesa seiscentista. Os dois pastores do diálogo discordam de critério, quanto às virtudes a preferir na mulher, já que um opta pela beleza e outro mais solidamente pelos bens materiais»


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Autor multifacetado, polígrafo, e seguramente um dos maiores da literatura portuguesa seiscentista. Segundo Menéndez y Pelayo, a seguir a Quevedo, a maior figura da literatura da época. E não apenas pela dimensão da Obra, escrita tanto em português como em castelhano, mas sobretudo pela sua diversidade e qualidade literária’. Obras Morales, de 1664); textos de natureza historiográfica social e política (além de outras, Historia de los movimientos y separación de Cataluña, de 1645, O Eco Político, de 1649, as cinco Epanáforas de Vária História Portuguesa, de 1660). Escreveu ainda um tratado sobre a Cabala judaica – Tratado da Ciência Cabala, de 1724 – e algumas biografias, de João IV, por exemplo’. In Isabel Allegro de Magalhães.

As Éclogas
«A Sanfonha de Euterpe, segunda parte de As Segundas Três Musas, é formada por éclogas e cartas. Já se observou que falta às primeiras o ambiente genuinamente pastoril que deveria caracterizar o género, mas nisto, como aliás na própria substância doutrinal, o Melodino segue a lição e o exemplo de Sá de Miranda, seu modelo também nas cartas.
A écloga Casamento, que integra o cap. II de PEM, é talvez, neste domínio, o exemplo mais representativo. O tema era muito do agrado do nosso autor, que o tratou também na Carta de Guia de Casados.
Os dois pastores do diálogo discordam de critério, quanto às virtudes a preferir na mulher, já que um opta pela beleza e outro mais solidamente pelos bens materiais. O cura, discreto e avisado segundo o cânone do ideal normativo da época, concilia as duas opiniões de acordo com um ideal de equilíbrio e moderação. A lição do meio termo é igualmente preconizada nas éclogas Temperança e Rústica. Mediano, aliás, é o nome de um dos interlocutores de Temperança, cujo conselho, de resto, pode resumir-se nos dois versos que, com outros, se encontravam gravados no templo aonde os dois pescadores (Afouto e Medroso) são levados por Mediano: 

‘caminha sempre a um justo fim direito,
fugindo todo extremo perigoso’.

E assim como, em Basto, Gil exprime as ideias de Sá de Miranda, na écloga Rústica, por exemplo, Cremente tem palavras cujo tom de pessimismo profundo e sentido reflecte a experiência dolorosa de Francisco Manuel de Melo. A lição de moralidade, que informa o suco didáctico das éclogas, não apagou o sinete autêntico de transposição da vida vivida na palavra poética. Mas as cartas são, a este respeito, ainda mais interessantes». In José Pina Martins, D. Francisco Manuel de Melo, Lisboa: Ed. Verbo, 1969, Fundação Calouste Gulbenkian, HALP, 2004.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT