‘A Sabedoria dos Antigos Egípcios sobre a natureza da mente e o
dinamismo secreto da vida. O caminho de transformação do coração’.
«A iniciação é um dos aspectos da religião egípcia mais envolvidos em polémica.
A sua remota antiguidade e a proclamada filiação dos rituais iniciáticos de
certas sociedades secretas actuais nos veneráveis mistérios egípcios têm criado
alguma resistência ao estudo científico da iniciação faraónica. Esta desconfiança
da egiptologia pelos temas ‘esotéricos’, normalmente vistos como um terreno
movediço e pouco propenso a uma abordagem científica, aliada a uma previsível e
compreensível escassez de alusões directas à iniciação pelas fontes egípcias,
explica a quase ausência de estudos científicos sobre a questão. É certo que se
pode questionar a validade científica das obras alusivas aos mistérios dos
faraós que evocam a iniciação egípcia apenas como um subterfúgio destinado a
estimular a imaginação.
Felizmente, embora a contra-gosto da corrente dominante da egiptologia,
ao longo dos últimos anos vários contributos de peso têm concorrido para fazer
sair do silêncio as importantes questões teológicas e espirituais relacionadas
com a iniciação e com a ideia de mistério no Antigo Egipto. Neste domínio foram
particularmente importantes as obras de Erik Hornung e de Jan Assmann acerca das
origens egípcias do hermetismo, as quais permitiram alicerçar a formulação da
iniciação no plano do debate científico. Jan Assmann, um dos sábios mais
eminentes da egiptologia actual, profundo estudioso da espiritualidade e
literatura religiosa egípcia, admite em várias das suas importantes obras o
papel central de noções como ‘iniciação’ e ‘mistério’ no âmbito da
espiritualidade egípcia. Também António Loprieno, no seu estudo acerca do
contacto com o sagrado, formula as noções fundamentais para compreender a
iniciação no Antigo Egipto. Por outro lado, Jean-Marie Kruchten deu um contributo
decisivo para a definição egípcia da iniciação, isolando os termos e
delimitando com precisão os conceitos. O trabalho destes autores demonstrou que
os termos ‘iniciação’, e ‘mistério’ têm, com efeito, uma correspondência
precisa com os termos egípcios besi e
sechetá, respectivamente.
A Iniciação egípcia nas fontes clássicas
Para os autores gregos da Antiguidade o Egipto era o berço da sabedoria
e do conhecimento. Os mais reputados sábios da Grécia tinham fama de ter rumado
ao Egipto para se iniciarem nos conhecimentos dos seus sacerdotes. E ainda que
alguns deles nunca tivessem colocado os pés nas margens do Nilo, os seus
biógrafos esforçavam-se por fazer desta viagem um dos episódios mais significativos
das suas vidas. A tradição de viajar rumo ao Egipto em busca da iniciação no
conhecimento sagrado remontava ao próprio Orfeu que, segundo se dizia, tinha
viajado para o Egipto e aí adoptara os mistérios dionisíacos. Homero e também
Sólon visitaram o país do Nilo cunhando para sempre a visão grega do Egipto. No
Timeu, Platão socorre-se da estada de
Sólon no Egipto para demonstrar a superioridade da sabedoria egípcia:
- ‘Sólon relatava que, tendo sido conduzido a essa cidade (Saís) foi muito apreciado por eles; e que, questionando os sacerdotes mais versados acerca das coisas antigas, descobriu que nem ele próprio, nem nenhum outro Grego, sabia quase nada, por assim dizer destas coisas. Certa vez, querendo levá-los a falar das coisas antigas, empreendeu falar-lhes das coisas mais antigas desta cidade, de Foroneu, de quem dizem ser o primeiro homem, e de Níobe, e narrou-lhes o mito de Deucalião e de Pirra, da forma como passaram pelo dilúvio e da genealogia dos seus descendentes; e, evocando o número de anos a que remontavam os acontecimentos referidos, esforçou-se por calcular os respectivos tempos. E um dos sacerdotes, que era muito velho, disse-lhe: - Sólon, Sólon, vós, os Gregos, sois sempre crianças; um Grego não pode ser velho. Ao ouvir isto, ele perguntou: - o que queres dizer com isso? - Sois todos jovens na alma - disse ele. - De facto, nenhum de vós tem nela opiniões antigas, recebidas por tradição, ou qualquer conhecimento encanecido pelo tempo’.
Segundo um dos seus biógrafos, Tales de Mileto visitou o Egipto para se
encontrar com os sacerdotes e astrónomos, de quem teria aprendido geometria.
Quanto aos segredos relacionados com a sua religião, os sacerdotes egípcios
parecem ter guardado mais reservas». In Rogério Sousa, Iniciação e Mistério no
Antigo Egipto, Ésquilo, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-8092-56-4.
Cortesia da Ésquilo/JDACT