sábado, 6 de outubro de 2012

Luísa Sigea. Diálogo de Duas Jovens sobre a Vida na Corte e a Vida Particular. Isabel de Magalhães: «Ouve, pois tu o queres; primeiro, explicarei a fundo de que modo deve comportar-se cada uma de vós, segundo a minha opinião, depois o que se deve procurar alcançar...»


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Tradução de excertos, realizada por Maria do Rosário Laureano Santos, a partir do original em latim: “Colloquium duorum virginum de vita aulica et privata, de 1552”.
Não existe nenhuma versão portuguesa, apenas uma tradução francesa publicada em edição bilingue: “Louise Sigéé. Dialogue de deux jeunes filles sur la vie de cour et la vie privée”. Introdução, trad. e notas por Odette Sauvage. Paris, PUF, 1970.

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Segundo dia, isto é, segunda parte do colóquio: sobre o tratamento do corpo, o seu cuidado excessivo e sobre outros assuntos.

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XII
Flamínia: Refutaste muito bem, e com firmeza, minha cara Blesila, o meu ponto de vista com as tuas palavras verdadeiras e com as tuas opiniões e dissipaste completamente a névoa da minha mente de tal forma que eu agora detesto o modo de vida na corte e afirmá-lo-ei detestável diante de todos, desde que tu, tal como atrás prometeste (se bem me lembro), demonstres com opiniões e argumentos sólidos qual é o modo de vida que deve ser, em primeiro lugar, procurado e escolhido, e também que me ensines como deve cada uma de nós comportar-se no modo de vida que escolheu, qualquer que ele seja, visto que, segundo Paulo, cada um de nós deve mostrar-se perfeito na vocação para a qual tiver sido chamado, uns de uma maneira, outros de outra.

Blesila: De acordo, desde que tu não semeies sobre as minhas palavras, hauridas da limpíssima fonte dos santos, o joio das opiniões profanas; é sobretudo isto que ofende os ouvidos dos que dão conselhos. Tu sabes que eu fiz a experiência dos dois modos de vida, a saber, a da corte e a privada (retirada) e, por isso, posso tratar, profusa e veridicamente, de cada uma delas. Ouve, pois tu o queres; primeiro, explicarei a fundo de que modo deve comportar-se cada uma de vós, segundo a minha opinião, depois (tal como pedes) o que se deve procurar alcançar. Falo, em primeiro lugar, das mulheres da corte, que gostaria que se adornassem modesta e castamente, tal como convém às mulheres cristãs, e (tal como já referimos em abundância) que se enfeitassem não só com a beleza do corpo, com o adorno do rosto, atraente para os homens interessados, com os quais podereis casar, ou com os quais já estais casadas, mas também que se enfeitassem com a força do espírito e com a perseverança; mas, pelo contrário, gostaria que vós pudésseis causar temor aos outros homens que favorecem o divertimento, os jogos e as futilidades da corte, quando estes se dirigirem a vós e vos falarem sem moderação. Porque Paulo aconselhava o seu amigo Timóteo a que não deixasse ninguém desprezar a sua juventude, e Salomão dizia que a velhice digna de veneração não é a que dura muito tempo, nem a que é contada pelo número de anos, mas aquela em que as cãs equivalem aos pensamentos do ser humano, e o tempo da velhice, a uma vida sem mácula».
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In Isabel Allegro de Magalhães, O Diálogo de Duas Jovens Mulheres, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003, ISBN 1645-5169.

Fim

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT