Constantinopla. Abril do ano de 1204
«(…) O abade pousou o olhar no
cofre e pude ver, nos seus olhos, o brilho da avareza. Vamos levar esta peça
para a nossa abadia, onde poderá ser venerada pelos peregrinos fiéis e
assegurar o sustento do mosteiro durante muito tempo. Escondeu o cofre entre as
suas vestes e saímos daquele lugar com a mesma pressa com que ali tínhamos
chegado. Mal saímos do recinto, fomos interceptados por um cavaleiro montado
num brioso corcel, que se pôs diante de nós, obrigando-nos a estacar, o cavalo ergueu-se
sobre as patas traseiras e nós, assustados, recuámos vários passos. Aonde ides
com tanta pressa?, indagou o cavaleiro, segurando as rédeas com firmeza
enquanto controlava os movimentos do cavalo. Regressamos ao nosso barco. Já não
temos nada a fazer aqui, respondeu o abade Martín, com firmeza. O cavaleiro remexeu-se
sobre o seu animal inquieto, que volteava diante de nós com fulgor contido. Era
um exemplar formidável, negro como azeviche, com a cabeça alta e fitas de seda
de cores vivas entrelaçadas nas crinas. A sua pele brilhava sob aquele Sol de
meio de tarde. O que viestes aqui fazer? O que levais escondido?
O abade olhou para o estômago,
ponto onde tinha escondido o tesouro, que agora formava um volume sob as suas
roupas, como se se tratasse de uma protuberância do seu corpo. Isto é...,balbuciou
por um instante, tentando encontrar algo adequado para dizer, é um cálice
sagrado. Apanhámo-lo do chão da igreja. Não podíamos permitir que os infiéis o
profanassem… Instalou-se, por momentos, um silêncio tenso, interrompido apenas
pelo resfolegar do cavalo e pelo bater repetido das suas patas no empedrado. O
medo que o abade tinha de que aquele cavaleiro lhe arrebatasse o cofre para o
acrescentar aos despojos de guerra mantinha-o alerta.
Mostrai-me o cálice! Se for um objecto
valioso, terá de ser incluído nos despojos de guerra! Não querereis,
certamente, deixar de cumprir o juramento que todos fizemos! Sou o abade
Martín, reclamou o monge, com autoridade. O que levo entre as minhas roupas é
uma peça que pertence apenas à Igreja; não um despojo de guerra que possa ser
dividido entre homens. Quero ver o que levais!
Não!
O cavaleiro desembainhou a espada
e ergueu-a no ar, enquanto segurava as rédeas do cavalo com a outra mão.
Me
entregaréis lo que lleváis entre las ropas u os lo arrancaré con mi espada,
monje estúpido, aquí soy yo quien da las órdenes. Mi corazón latía de temor al
ver aquella escena. Bernardo y yo esperábamos el desenlace agarrados, con gesto
despavorido, incapaces de reaccionar. Me preguntaba hasta qué punto estaría
dispuesto a mantener su postura el abad, hasta dónde estaría dispuesto a llegar
por aquella relíquia robada en su propio beneficio. Si lo queréis, tendréis que
matarme. La tensión se hizo eterna. El caballero blandía su espada con gesto amenazante
sin dejar de mirar el rostro impertérrito del abad, que sujetaba el bulto de su
vientre con resuelta firmeza. Una voz hizo que todos nos girásemos. Roberto!, otro
hombre a caballo se acercaba a nosotros. Tiró de las riendas con fuerza y el
animal se detuvo en seco a escasos dos metros de mí, haciendo que diera un
salto hacia un lado. Roberto de Saint-Po! Amigo mío. Creía que habías muerto. Estos
infieles no podrán conmigo. El caballero que había interceptado nuestra salida
se acercó al recién llegado. Ambos hombres chocaron sus manos y comenzaron a
hablar entre ellos mientras mantenían sujetas las riendas de sus monturas. El
abad hizo un ligero gesto y sin mirar hacia atrás iniciamos nuestro camino,
alejándonos con el temor de que el bramido de sus voces nos hiciera detenernos;
pero, por lo visto, habíamos dejado de ser de interés para ellos porque apenas
se dieron cuenta de nuestra marcha, enfrascados en la conversación de su
reencuentro». In Paloma Shanchez-Garnica, A Brisa do Oriente, 2009, tradução de Luís
Coutinho, Saída de Emergência, 2012, ISBN 978-989-637-411-2, epublibre, La
brisa de Oriente, 2009, editor digital x313n1o, ePub base r1.2, Proyec
Scriptorium Ex-Libris.
Cortesia SEmergência/JDACT
JDACT, Paloma Shanchez-Garnica, Literatura, Escrita, Saber,