«(…) Apenas o som do choro acompanhou Conn, que desceu do estrado pasmo com o que via à sua frente. Os seus olhos eram farrapos de gelo azul. Quando se aproximou do cavalo, estendeu as mãos e embalou a cabeça do seu querido amigo. Inclinando-se como para sussurrar qualquer coisa, Conn emitiu um ruído que começou como um urro na sua garganta. Os cabelos da nuca de Nimbus eriçaram-se com o grito de batalha que exteriorizou o desgosto de Conn. O salão espocou numa actividade febril. Dos lábios cerrados dos homens do Fianna que rodearam Conn saltaram pragas negras e sangrentas. Conn virou-se para o soldado mais próximo e murmurou qualquer coisa que tirou toda a cor do rosto do homem. O homem correu e Nimbus seguiu-o de imediato. De braços erguidos, Conn silenciou o salão: Eu próprio vou matar o miserável. Os seus lábios retorceram-se numa careta. Sean O’Finn, foi preparar a minha montaria. Mer-Nod será o regente até ao meu regresso.
O silêncio do salão
transformou-se em tumulto. Protestos em voz alta misturaram-se aos gritos de
encorajamento, numa algazarra ensurdecedora. Mer-Nod saiu do seu lugar junto à
parede e dirigiu-se a Conn, tentando fazer-se ouvir por cima da cacofonia de
vozes. Conn, está louco! Não podemos dar-nos ao luxo de te perder! Com os olhos
brilhando, Conn replicou: Não me vão perder. Quando regressar a Tara, trarei
comigo a cabeça do monstro que assassinou Kevin. Homem ou fera morrerá às
minhas mãos. Sean O’Finn regressou. Desviando o olhar, disse a Conn: A sua
montaria está pronta. Há mantimentos para cinco dias. Nimbus também reapareceu,
arrastando com dificuldade uma espada maior do que o seu corpo. Conn pegou na
espada e ergueu-a no ar. A sua voz trovejou pelo salão: Por Kevin, por Fianna,
por Erin, a criatura tem de morrer! Embainhando a espada, correu porta fora e
saltou para o dorso do enorme garanhão que o aguardava. Incitou o cavalo a
galopar e atravessou intempestivo o portão do baluarte.
Nimbus permaneceu no meio da
multidão, onde quase não se dava por ele. Uma mão pequena e encardida subiu
para abrandar o latejar das suas têmporas. O céu desolado começou a render-se a
uma escuridão ainda mais desoladora enquanto Conn se afastava a galope da
fortaleza. Farrapos de nuvens deslocavam-se no horizonte, empurradas por
impulsos nervosos do vento frio. Sem o calor do Sol, a unidade do dia acentuou-se
à medida que a luz foi desaparecendo ao oriente. Nas árvores, as folhas estremeceram
anunciando a noite que se avizinhava. O clarão roxo do crepúsculo permeou a paisagem,
transformando os campos verdes num veludo escuro. Os únicos sons que cortavam o
anoitecer cada vez mais profundo eram as pancadas cadenciadas dos cascos do cavalo
de Conn e o grito solitário e distante de uma andorinha-do-mar. Quando Conn
saiu da estrada e se meteu por um terreno encharcado, começou a cair um
chuvisco. A última claridade do dia desapareceu enquanto ele punha o cavalo em
trote e adentrava no arvoredo mais espesso pelo emaranhado de trepadeiras e
folhagens. Aconchegou a capa contra si enquanto o cavalo avançava com cuidado
por entre a mata. A fúria corria em círculos dentro da sua cabeça. Reagia ao
gelo do ar como se outra pessoa estivesse com frio e fosse seu dever agasalhar
esse mortal. A imagem de Kevin sem vida parecia gravada no seu cérebro por um
ferro em brasa. O Kevin outrora exuberante e irascível, imóvel e a escorrer
sangue. O seu corpo teria que ser amortalhado, entregue ao seu clã pelo Fianna
como uma triste recordação do juramento feito quando se juntou às suas fileiras:
Juraram aceitar a morte ou a incapacitação de Kevin sem pedir satisfações e sem
vingança, excepto a que os seus irmãos guerreiros quisessem levar a cabo. A
escuridão da raiva borbulhou nas veias de Conn. Mal saiu da floresta e entrou
num prado, mandou o cavalo galopar». In Teresa Medeiros, A Conquistadora, 1998,
Planeta Manuscrito, Grupo Planeta, 2010, 2014, ISBN 978-989-657-517-5.
Cortesia de PManuscrito/Gplaneta/JDACT
JDACT, Teresa Medeiros, Literatura, Irlanda,