Com a devida vénia ao Mestre Hugo Calado
A Fronteira na Idade Média: Espaço de Separação ou Aproximação Populacional?
«(…) A marca era um território
onde se estacionavam comunidades, que por iniciativa régia, cuja actividade
guerreira era objectivo principal, defendendo o território de rectaguarda, ou
pelo menos sustendo uma investida inimiga. Eram então comunidades em risco
permanente, grupos populacionais que habitavam um espaço organizado e absorviam
os ataques inimigos. Estamos a falar de um espaço que, recebendo influência de
duas comunidades humanas distintas que separava, poderia adquirir características
próprias de individualização, face aos blocos em confronto. A fronteira
Islão/Cristandade era um espaço territorial e social que poderia englobar
indivíduos de religiões, sociedades e civilizações diferentes, formando uma
sociedade de fronteira bastante heterogénea, onde só se conseguem conhecer, com
alguma clareza, as elites, grupos sociais que viviam na sua maioria em centros
urbanos, onde estariam concentradas as principais actividades industriais,
comerciais e administrativas.
As informações dos achados
arqueológicos, nomeadamente os de carácter epigráfico, podem ser aqui um bom
fornecedor de informações, embora seja maioritariamente em centros
populacionais de alguma importância que se concentram os maiores núcleos de
epígrafes funerárias, estruturas feitas em mármore, embora também estejam
espalhadas um pouco por todo o sul de Portugal. Já nos locais rurais, como
Noudar, a construção de epígrafes seria em material mais modesto, devido aos
elevados custos de outros materiais, nomeadamente o mármore, que não era barato
nem acessível a todos.
A marca era ainda um espaço de um
grupo social que utilizava conhecimentos adquiridos em contextos específicos,
nomeadamente a guerra. São populações de fronteira que estão habituadas aos
rigores de um espaço que tem influências de duas comunidades beligerantes, e
que se batem pela conquista e povoamento daquele território que não possuía uma
integração territorial segura e jurisdicional do ponto de vista administrativo,
sob uma das monarquias conquistadoras. Os conhecimentos adquiridos pelas
pessoas que habitam estas áreas são mesmo requisitados pelos diversos blocos
político-militares em confronto, servindo como informação de preparação contra
incursões de ambos os lados, em busca de saque através de ataques rápidos. Como
tal, muitas dessas populações são pessoas que se distinguem das outras comunidades
integrantes na dicotomia peninsular Islão/Cristandade, sendo vistas como muito
úteis para determinados propósitos guerreiros.
Estes contactos de fronteira
desenvolveriam um bi-linguismo, em que os integrantes da marca aprenderiam a
falar como aqueles com quem contactavam, o que facilitaria a comunicação entre
grupos diferenciados numa sociedade tão heterogénea como uma comunidade de
fronteira na reconquista peninsular. Na dinâmica da reconquista portuguesa, o
povoamento e sua promoção, com o objectivo do alargamento do território
conquistado e entretanto ocupado, é uma das principais preocupações dos
monarcas da nossa primeira dinastia, pois com o alargamento das fronteiras, a
sua continuidade dos territórios conquistados nas mãos de quem os adquiriu depende
do (re)povoamento dos mesmos, onde as regiões fronteiriças têm um papel de
destaque. A importância dada a comunidades de fronteira é então primordial, pois
são estas comunidades são o suporte da manutenção das fronteiras conquistadas e
do seu alargamento». In Hugo Miguel Pinto Calado, A Raia
Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar, O Castelo de Noudar e a
Defesa do Património Nacional, Tese de Mestrado em História Regional e Local,
Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, 2007.
Cortesia da UL/FL/DHistória/JDACT
JDACT, Hugo M. P. Calado, Cultura e Conhecimento, História, Alentejo,