«(…) Demais então. Avise a Fenwood para não recebê-la na próxima vez. Não permita que ela se assenhore do seu apartamento e entre nele a seu bel-prazer. Existira sempre o perigo de a mãe deles transformar Morgan numa criança assim que tivesse a oportunidade. Intrometia-se, o mimando e dominando, até ele perder o direito de ser um homem distinto. Esse havia sido o motivo de Sebastian se mudar para aquela casa quando o irmão voltou da guerra. Sua presença assegurava que a mãe não expandiria demais o seu domínio, especialmente no que dizia respeito ao filho mais velho. Sempre foi melhor em lidar com ela do que eu. Como em tantas outras coisas, declarou Morgan. Não havia nada que dizer adiante daquilo, por isso ambos voltaram-se aos jornais. Disse que esteve perto de Brighton, ontem? Ouviu alguma coisa acerca do espectáculo no Duas Espadas? Espectáculo? Morgan estreitou os olhos para ler as letras impressas. Deixou sair um sorriso. Um homem levou um tiro de uma amante. Aquilo é que deve ter sido um bom teatro. Ele não morreu, parece. Mesmo assim, não se deve ter falado de outra coisa lá em baixo. O que está lendo aí? Morgan corou. Um dos jornais cor-de-rosa da nossa mãe. De Brighton? Londres.
Maldição!
Sir Edwin estava certo. A história provavelmente chegara à cidade antes de
qualquer uma das suas vítimas. Evidentemente, não havia nomes no jornalzinho,
porém. Ainda. O ritual terminou às onze horas. Sebastian se despediu e voltou
ao próprio quarto. O criado pessoal o saudou com uma carta selada na mão. O
endereço não estava correcto, meu senhor. Sebastian pegou a carta. Escrevera-a
para miss Kelmsleigh e enviara-a por um mensageiro para a casa do pai. Não
vivem mais lá? Mrs. Kelmsleigh sim, e miss Sarah Kelmsleigh. Audrianna
Kelmsleigh, porém, não. O lacaio perguntou e lhe disseram que ela fora morar no
Middlesex, perto da aldeia de Cumberworth. Sebastian levou a carta para o
quarto. Abriu uma gaveta e olhou para a pistola que trouxera do Duas Espadas.
Suas tentativas de devolvê-la de forma discreta não tinham dado certo. Podia
mandar o despachante a Cumberworth. Se miss Kelmsley havia se mudado para o
campo, bastariam algumas perguntas para localizá-la. Podia igualmente embrulhar
a pistola e dá-la ao criado, e dar o assunto por encerrado. Viu a pistola numa
mão suave, feminina. Viu olhos verdes de mulher cintilando de vida, depois
acendendo de fascínio e paixão, e, por fim, esmaecendo de melancolia. Imaginou
ela atravessando a hospedaria até à carruagem, fingindo não reparar que os
outros clientes olhavam e sussurravam. Disse ao criado para mandar buscar o
cavalo.
Cumberworth
continuava uma aldeia rural, mas Londres se aproximava a cada ano que passava.
Já fora absorvida pelos subúrbios da cidade, um dos muitos vilarejos do
Middlesex que viam recém-chegados se misturar com velhos residentes e agentes
imobiliários decompor quintas em pequenas propriedades para as famílias
prósperas da sua vizinha maior. A chegada de Sebastian, portanto, não atraiu
grande atenção. Desceu a rua principal, passando por lojas em edifícios velhos
de tabique e casas de pedra alinhadas. Procurou uma taverna.
O Baron’s Board não
estava muito cheio às duas da tarde e a cerveja de Sebastian chegou rápido.
Bebeu em pé, submetendo-se à inspecção curiosa do proprietário. Também está
assim húmido na cidade?, perguntou o homem, secando canecas de cerveja. Pior,
respondeu Sebastian. Está a caminho de um lugar mais seco? Não, vim à procura
de uma pessoa para tratar de negócios. Talvez a conheça. Miss Kelmsleigh. O
proprietário estalou a língua… Eu conheço ela e as amigas. Todas as pessoas de
Cumberworth conhecem as hóspedes de mrs. Jones. Ah, conhecem? Acho que miss Kelmsleigh é
prima dela, não sua hóspede.
É difícil saber do que chamar aquelas mulheres, não acha? O resto não são
parentes, não me parece. Só um grupo de mulheres que vieram de visita e nunca
mais foram embora. Mrs. Joyes vive na aldeia? Tem propriedade a pouca
distância. Uma casa boa e um bom pedaço de terra. Cultiva flores numa estufa
grande. Vende-as em Londres a floristas chiques. A casa dela fica um tanto
afastada da rua, por isso há uma placa pintada no local onde é preciso virar.
Flores Preciosas, é assim que o negócio dela se chama. Estalou novamente a
língua. Até parecem boa gente. São reservadas. Não há razão para pensar que
haja alguma coisa imprópria, mas as pessoas falam, não é mesmo? Sem dúvida.
Sebastian acabou de beber a cerveja e pediu indicações para chegar ao letreiro
do Flores Preciosas. Quinze minutos depois, seguia pelo caminho privado que
conduzia à casa de mrs. Joyes». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013,
ISBN 978-989-232-372-5.
Cortesia de EASA/JDACT
JDACT, Madeline Hunter, Escrita, Saber,