«(…) A chuva caía e a Lua começava a sua lenta descida quando chegou a uma clareira e desmontou. A maçã que trazia na mochila foi parar à boca do cavalo e Conn sorriu pela primeira vez desde que deixou a fortaleza. Silent Thunder atravessara o oceano no porão de um navio de carga para se tornar o seu cavalo de batalha. Passou as mãos pelo negro acetinado da garupa do animal. Nem uma mancha a estragar a solidez da sua beleza. Enrolou as rédeas num arbusto e deixou-o pastar. Sacudindo a chuva do cabelo, vagueou pela floresta recolhendo ramos e folhagem suficientes para proteger a sua pessoa e a fogueira da água que caía obstinada. Estendeu as mãos para as chamas, a fim de aquecê-las, e pensou que seria bom ter ali Nimbus para quebrar o silêncio. Memórias de outras florestas acumularam-se em seu redor; o calor de outras fogueiras aqueceu as suas mãos. Os espíritos dos cinco mortos rodearam-no, rindo e tagarelando, planeando batalhas futuras. Durante uma fracção de segundo, o seu nariz detectou o aroma de carne de veado assado ao ar livre. Pôs-se de pé, amaldiçoando as suas fantasias. Pareceu-lhe que a floresta se agitava à sua volta e voltou a sentar-se perguntando a si mesmo se dormir ia ser difícil ou impossível. Com os dedos tensos esfregou um bocado de queijo num naco de pão. O fogo da sua ira ardia demasiado fundo para dar espaço ao medo. Desmascararia o assassino encapuzado, dar-lhe-ei uma morte impiedosa. Embrulhou-se na capa e preparou-se para dormir. No dia seguinte àquela hora alcançaria a gruta. Tinha de estar em forma. Mergulhou no abismo de um sono felizmente desprovido de sonhos.
Quando o Sol nasceu na manhã
seguinte, Conn e Silent Thunder seguiam já rumo ao norte. O dia amanhecera com
uma brisa quente do sul a afagar-lhe as feições, como se quisesse apagar as
rugas de preocupação gravadas na sua testa. Cotovias e andorinhas cantavam num
céu da cor do azul delicado de um ovo de tordo. De vez em quando uma nuvem,
branca e felpuda como o ventre de um cordeiro após o nascimento, atravessava devagar
a sua tela serena. À medida que avançava para norte, o terreno tornava-se mais montanhoso,
e sob os cascos do cavalo o tapete verde-esmeralda dava lugar a pedras e arbustos
raquíticos.
O Sol surgiu com a forma de uma
gloriosa bola laranja por detrás do horizonte ocidental, tão diferente da
despedida mal-humorada da tarde anterior. Tinham chegado às colinas. Os contrafortes
eram íngremes, mas seguiam até aos montes e planícies que rodeavam a enevoada
montanha de Tara. A escuridão envolveu a paisagem. Conn acendeu uma tocha para
iluminar o caminho. Pedras traiçoeiras espalhavam-se pelo chão, dispostas a
fazer qualquer cavalo tombar. Os olhos de Conn mal discerniam as reentrâncias
obscurecidas nos rochedos onde ele sabia que se escondiam pequenas grutas.
Pelos seus cálculos, a gruta maior que procurava devia ficar a menos de uma
légua de distância. Um fio de suor escorreu-lhe pela nuca. Parou Silent
Thunder, fechou os olhos e entregou-se aos seus pensamentos. Um jovem desesperado
por se juntar ao Fianna fizera aquele mesmo percurso para conquistar a criatura
que já tinha dado a três membros do grupo mortes sangrentas. Foi o único a
voltar. A sua descrição histérica de um gigante envolto numa capa que retirou
no último minuto a ponta da espada da sua garganta apavorada e a libertá-lo não
tardou a chegar aos ouvidos de Conn. Justamente o que a fera pretendia, pensou
com amargura. Ainda de olhos fechados, tentou imaginar o rosto de cada um dos
homens que morreu naquela gruta. Cinco valorosos guerreiros desaparecidos,
deixando em suas mãos a tarefa de vingar o seu sangue». In Teresa Medeiros, A
Conquistadora, 1998, Planeta Manuscrito, Grupo Planeta, 2010, 2014, ISBN
978-989-657-517-5.
Cortesia de PManuscrito/Gplaneta/JDACT
JDACT, Teresa Medeiros, Literatura, Irlanda,