sábado, 9 de abril de 2022

A Caminho de Jerusalém. Jan Guillou. «Através da unificação de todos os esforços em Arnas, em vez de os partilhar por dois lugares, seria possível para eles dois ficarem mais ricos, com todos os terrenos novos….»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Mas, ao mesmo tempo, Varnhem representa um terço do nosso património em comum, um terço que agora você acaba de tirar de Eskil. O que não consigo entender é como você foi capaz de fazer uma coisa dessas, mesmo que tivesse direito a fazê-lo. Vamos andar devagar, na direcção das brincadeiras, para não ficarmos aqui quietos, como se déssemos a entender que estamos zangados um com o outro. Eu vou explicar tudo, disse ela, oferecendo o braço para ele. Magnus olhou em volta preocupado, reconheceu que ela tinha razão, sorriu com esforço e pegou-a pelo braço. Bem, disse ela, hesitante, após uns segundos. Vamos começar pelas coisas terrenas, as que mais enchem a sua cabeça neste momento. Evidentemente, vou levar para Arnas todos os animais e os servos. Varnhem tem, sem dúvida, as melhores construções, mas Arnas, por isso mesmo, vai possibilitar que a gente construa a partir do terreno, especialmente agora, quando vamos receber tantas mãos para trabalhar mais. Dessa maneira, vamos ter um lugar melhor para morar, em especial durante o Inverno. Mais animais significam mais barricas de carne salgada e mais peles, que agora já podemos mandar para Lõdõse de barco. Você sempre quis muito negociar com Lõdõse, e isso a gente poderá fazer a partir de Arnas, com muito mais facilidade, tanto no Inverno quanto no Verão. Isso seria mais difícil de fazer a partir de Varnhem. Magnus andava ao seu lado, silencioso e inclinado para a frente, mas ela viu que eles e tinha acalmado e começava a escutar com interesse, e então concluiu que não era mais uma questão de guerra com palavras. Viu tudo bem claro diante de si, como se tivesse levado muito tempo para planear as coisas, quando, na verdade, a ideia toda não tinha mais do que uma hora de vida.

Mais peles e mais barricas com carne salgada para Lõdõse significavam mais moedas de prata, e mais moedas de prata significavam mais sementes. Mais sementes significavam que mais servos poderiam conquistar a sua liberdade através da preparação de novos campos para sementeira, de empréstimos em sementes pagas pelo dobro em centeio que, mandadas para Lõdõse, seriam trocadas por mais moedas de prata. E, então, seria possível encomendar as muralhas que Magnus sempre havia pensado em erguer, já que Arnas era difícil de defender, em especial durante o Inverno, quando o gelo facilitava a passagem.

Através da unificação de todos os esforços em Arnas, em vez de os partilhar por dois lugares, seria possível para eles dois ficarem mais ricos, com todos os terrenos novos compondo uma propriedade maior, edificar um lar mais quente e seguro e deixar para Eskil uma herança maior do que se poderia imaginar antes. Quando chegaram bem na frente da multidão, tiveram que forçar a passagem, é claro, e, sem dar quaisquer sinais, Magnus se manteve silencioso e pensativo. Sot chegou aos pulos, trazendo Eskil nos braços, e levantou-o diante de si para que o povo pudesse ver as roupas dele e que, com ele nos braços, também ela, uma escrava, tinha direito a forçar a passagem, e aí o garoto pulou para o chão e colocou-se em frente da mãe que suavemente colocou suas mãos nos seus ombros, acariciou sua face e corrigiu a posição do gorro cheio de penas. Os artistas diante deles estavam vestidos com roupas engraçadas, de cores fortes e com pequenas campainhas penduradas nas pernas e nos punhos, de modo que todos os seus movimentos se misturavam com o som das campainhas. Nesse momento estavam formando uma pirâmide humana, e, com um garoto muito pequeno, talvez um pouquinho mais velho do que Eskil, no final, lá bem no alto e sozinho no topo. O povo gritava alto, de terror e deslumbramento, e Eskil apontava o dedo insistentemente e dizia que queria ser artista, o que levou seu pai a explodir numa sonora e surpreendente gargalhada. Sigrid olhou disfarçadamente para ele e pensou que com aquela gargalhada o perigo já havia passado. Magnus descobriu que ela tinha olhado furtivamente e ainda sorria quando ele se inclinou para a frente e a beijou na face. Você é, na realidade, uma mulher especial, Sigrid, sussurrou ele, sem sinal de raiva na voz. Pensei no que falou e você tem razão em tudo». In Jan Guillou, A Caminho de Jerusalém, As Cruzadas, Bertrand Brasil, 2002, ISBN 978-852-860-896-0.

Cortesia de BertrandB/JDACT

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