quinta-feira, 28 de abril de 2022

A Herança de Rosa-Cruz. Jorge Durão. «Chegou mesmo a deslocar-se propositadamente a Óbidos para perscrutar na biblioteca e em variados registos da vila pela obra e seu autor. Nada. Nem mesmo recorrendo à actual Internet conseguira…»

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Karlruhe. Alemanha, Dezembro de 1649

«(…) Trancado naquela grande sala, com duas grandes janelas que davam para o jardim do Campo Grande, Carlos Nóbrega volta a ser assolado pelos fragmentos de memórias daquele dia, limpando com um lenço o suor da testa. Assim era há vários anos. De forma involuntária, de vez em quando dava por si a ver a sua mulher naquela agonia de moribunda, ouvindo com uma nitidez quase real o seu grito de pânico imediatamente antes do acidente que a vitimara. Via também os máximos do carro com o qual colidiram frontalmente, e uma lancinante culpa o trespassava como uma afiada e fria espada em todos esses momentos. Abanou a cabeça e afastou temporariamente essas vívidas lembranças. Alguns anos depois do acidente, ganhara coragem e voltara a ligar ao mercador Bernardo Faria, mas o número parecia estar desactivado. Após o necessário espaço temporal para um grande luto, o Historiador pesquisa sobre Lendas e factos de Óbidos, assim como sobre o autor da obra, Pedro José Gonzaga Morgado. Nada. Em todos os documentos e registos consultados, nunca vislumbrara qualquer alusão à obra e ao seu autor. Chegou mesmo a deslocar-se propositadamente a Óbidos para perscrutar na biblioteca e em variados registos da vila pela obra e seu autor. Nada. Nem mesmo recorrendo à actual Internet conseguira o que quer que fosse com esses nomes. Sentado a uma mesa frente a uma das grandes janelas, que lhe providenciava a luz necessária a uma boa leitura, o Historiador retira a larga e castanha fita adesiva da caixa de cartão, abre-a e retira-lhe de dentro os exemplares adquiridos, livros de uma antiga e bela encadernação. História de Óbidos é o primeiro exemplar a ser aberto, puxando o homem de uma pequena pasta e retirando-lhe do âmago um velho bloco de apontamentos e uma caneta, começando a ler o volume como se nada mais existisse na vida. A encomenda fora recebida por volta das 10h00. Quando Carlos Nóbrega toma consciência que tem responsabilidades naquela casa e fecha o livro com um marcador na página onde ficara a leitura, eram 14h10. Fora da sala, o abandono pautava os espaços do edifício. A hora de almoço estendia-se até às 14h30, e o bibliotecário aproveitara para trincar qualquer coisa que levara no saco e para adiantar algum serviço, não vendo a hora de fechar as portas e de se pôr a ler fim de dia e noite fora, continuando as suas compilações de apontamentos.

O Historiador tinha lido em várias fontes algo sobre a chegada de uns alemães à vila de Óbidos, nos inícios de 1650, assim como sobre uma lenda que dizia que esses homens se haviam deslocado para Portugal para esconderem debaixo das pedras da vila uma espécie de tesouro. Carlos Nóbrega sabia que a perseguida sociedade secreta Rosacruz fora fundada junto ao Reno, na Alemanha, assim como sabia que os seus integrantes haviam sido perseguidos pela guarda alemã, mas o manifesto de Rosacruz nunca fora encontrado. Na época, os alquimistas eram considerados hereges, sendo vítimas de eficazes perseguições. O Historiador não conseguia deixar de pensar que os alemães chegados a Portugal seriam membros do topo da hierarquia de Rosacruz, que haviam escolhido o extremo ocidental da actual Europa para selarem na escuridão e protecção do solo a razão das perseguições de que eram vítimas. A lenda dizia que numa noite de Lua cheia os grandes alemães saíram à rua e enfeitiçaram toda a urbe de Óbidos, espalhando pelas ruas e ruelas espíritos inquietos, que se alimentavam das picardias que faziam abater em todos aqueles que por lá passassem, ouvindo as pessoas, principalmente nas noites de luar, pesados e sonoros passos nas pedras, assim como gargalhadas de gozo e regozijo. Carlos Nóbrega começara, já há algum tempo atrás, a esboçar um pequeno questionário sobre a lenda, o qual pretendia aplicar a alguns habitantes das muralhas de Óbidos. O Historiador voltara a mais tarde a pegar na ideia e terminara o questionário, que consistia em duas páginas, uma folha frente e verso, estando, mais que nunca, super motivado para querer perceber, através da análise de conteúdo das folhas, o que as pessoas sabem ou pensam dessa lenda, assim como o que sabem da história da vila onde vivem». In Jorge Durão, A Herança de Rosa-Cruz, O Tesouro Perdido de Óbidos, Edição do Autor, 2013, ISBN 978-989-866-401-3.

Cortesia de JDurão/JDACT

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