Uma Estrada Deserta
«(…) Dois barris pequenos do
conhaque de maçã de Tam seguiam na carroça sacolejante e oito barris maiores de
sidra, levemente forte depois de fermentar ao longo do Inverno. Tam entregava a
mesma carga todos os anos à Estalagem Fonte de Vinho, para uso durante o Bel
Tine, e afirmara que seria preciso mais do que lobos ou um vento frio para
impedi-lo nessa Primavera. Mesmo assim, eles haviam passado semanas sem ir à
aldeia. Nem Tam viajava muito naqueles dias. Mas dera a palavra a respeito do conhaque
e da sidra, apesar de ter esperado até a véspera do Festival para fazer a
entrega. Manter a palavra era algo importante para Tam. Rand estava
simplesmente contente por sair da fazenda, quase tão contente quanto pela
chegada do Bel Tine. Enquanto Rand vigiava seu lado da estrada, crescia nele a
sensação de estar sendo observado. Durante algum tempo tentou ignorá-la. Nada
se movia nem fazia qualquer ruído entre as árvores, a não ser o vento. Mas a sensação
não apenas persistiu; ela aumentou. Os pelos dos braços se arrepiaram; a pele
formigou, como se coçasse por dentro. Irritado, ele mudou o arco de posição
para coçar os braços e disse a si mesmo que não deixasse se levar por
fantasias. Não havia nada na floresta no
seu lado da estrada, e Tam teria avisado se houvesse alguma coisa do outro. Ele
olhou por cima do ombro…, e piscou. A menos de vinte braças atrás deles na
estrada uma figura a cavalo, coberta por um manto, os seguia, cavalo e
cavaleiro negros, escuros e sombrios.
Foi mais o hábito do que qualquer
outra coisa que o fez caminhar de costas ao lado da carroça enquanto olhava. O
manto do cavaleiro o cobria até a ponta das botas, o capuz bem puxado à frente
de modo a não mostrar nenhuma parte do rosto. Rand pensou vagamente que havia
algo de estranho no cavaleiro, mas era a abertura ensombreada do capuz que o
fascinava. Ele só conseguia ver traços vagos de um rosto, mas tinha a sensação
de que estava olhando bem nos olhos do cavaleiro. E não conseguia desviar o
olhar. Sentiu o estômago embrulhar. Só podia ver sombras sob o capuz, mas
sentia um ódio tão agudo quanto se pudesse ver um rosto enfurecido, um ódio por
todas as coisas vivas. Ódio por ele principalmente, por ele acima de todas as
coisas. De repente, uma pedra bateu no seu calcanhar e ele tropeçou, os olhos
se desviando da figura negra. Seu arco caiu na estrada, e apenas a mão estendida
que agarrou os arreios de Bela evitou que ele se estatelasse de costas no chão.
Resfolegando de susto, a égua parou, girando a cabeça para ver o que a havia
detido.
Tam franziu a testa para ele por
cima do dorso de Bela. Tudo bem com você, rapaz? Um cavaleiro, disse Rand sem
fôlego, aprumando-se. Um estranho nos seguindo. Onde?, Tam ergueu a lança de
lâmina larga e olhou cautelosamente para trás. Ali atrás na… As palavras de
Rand morreram quando ele se virou para apontar. A estrada atrás deles estava
deserta. Sem acreditar, ele olhou para a floresta que ladeava a estrada. As
árvores de galhos nus não ofereciam esconderijos, mas não havia o menor
vestígio do cavalo nem do cavaleiro. Ele deu com o olhar questionador de seu
pai. Ele estava ali. Um homem de manto preto, num cavalo preto.
Eu não duvidaria de sua palavra,
rapaz, mas para onde ele foi? Não sei. Mas estava ali. Ele pegou o arco e a
flecha caídos, verificou apressadamente as aletas antes de recolocar a flecha
no encaixe e puxou a corda até a metade antes de deixá-la relaxar. Não havia
nada em que mirar. Estava, sim. Tam balançou a cabeça grisalha. Se você diz,
rapaz. Vamos. Um cavalo deixa marcas de cascos, mesmo num terreno destes. Ele
começou a se encaminhar na direcção da traseira da carroça, o manto drapejando
ao vento. Se as encontrarmos, vamos saber com certeza que ele esteve ali. Se não…,
bem, dias como estes fazem um homem achar que está vendo coisas. Subitamente
Rand percebeu o que havia achado estranho no cavaleiro, além do facto de ele
simplesmente estar ali. O vento que o fustigava e a Tam não havia deslocado uma
dobra sequer daquele manto negro. Rand sentiu a boca ficar seca de repente.
Devia mesmo ter imaginado aquilo. O pai estava certo: era uma manhã do tipo que
mexia com a imaginação de um homem. Mas ele não acreditava nessas coisas. No
entanto, como poderia dizer ao pai que o homem que aparentemente havia
desaparecido em pleno ar vestia um manto intocado pelo vento?» In
Robert Jordan, A Roda do Tempo, O Olho do Mundo, 1990, Editora Intrinseca,
2013, ISBN 978-858-057-362-6.
Cortesia de EIntrinseca/JDACT
JDACT, Literatura, Robert Jordan,