«(…) Que mentirosa, isso não é nenhum caso. Felipe está apaixonado, ama-a, prefere ela a mim! Ouvi-o dizer!, Joana uivava. Não, não, não, Senhora, não pode ser. Lamento tanto. Quem é ela? Uma baronesa viúva. Chimay trouxe-a para cá para se recuperar da morte do marido faz alguns meses. E Felipe que me escreveu a implorar que regressasse. Disse que tinha saudades, que me queria. Mentiras, só mentiras! A minha mãe tinha razão. Quem ele queria que voltasse para Flandres era a herdeira da Espanha, não a sua mulher. Enquanto eu discutia tão amargamente com a minha mãe, estava ele nos braços da sobrinha de Chimay. Que devo fazer, Zayda? Estou perdida! Nunca!, Zayda ajoelhou-se a seu lado e tomou-lhe as mãos. Não estais perdida. Vós e eu havemos de arranjar forma de ganhar esta batalha. Lembrai-vos das palavras do vosso irmão sobre Joana, a lutadora. Desta vez não funcionam. Ainda não vos falharam. E eu sei ajudar de muitas formas. Amanhã tenho de estar no jardim. Tenho de lá estar, há uma carta. Falaremos disso mais tarde, Senhora. Primeiro, tendes de dormir e recuperar as forças para o desafio que vos espera. Eu tenho os filtros e poções necessários. Vou buscá-los imediatamente. Antes de sair, lançou a Maria um olhar furioso. É uma barbaridade que haja alguém que ouse insultar a princesa Joana desta forma.
O sol estava suficientemente forte para que fosse confortável
estar sentado lá fora, enquanto a sombra das árvores e dos arbustos do
caramanchão protegiam Joana e Maria dos seus raios. Joana quebrou o silêncio. Acabou-se
a costura por hoje, os meus dedos tremem. Deu uma última olhada ao bordado. Era
o lema de Felipe com a sua resposta romântica: Qui voudra, moi tout seul.
Deixou escapar uma gargalhada amarga. Para quem quiser, somente eu. Como seria
maravilhoso se fosse verdade. Levantou-se do banco e escovou as mangas. Maria
guardou o bordado no cesto, antes de procurar palhas e raminhos por entre o
padrão das saias de brocado de Joana. Um pequeno passeio, Senhora? Vaguearam
pelo caminho ladeado por buxos, seguido por uma fileira de rosas brancas. Joana
puxou as pétalas de veludo para si, para aspirar o seu perfume. A rosa branca
de York. Finalmente, a velha bruxa morreu. Madame La Grande é uma a menos a
conspirar contra mim.
As saias de ambas
iam varrendo as pedras, à medida que caminhavam em direcção a um cacho de rosas
vermelhas que subia por uma parede, deliciando-se com o sol. Estas são as
minhas preferidas, Senhora. São de um vermelho tão intenso, tão macias ao toque
e com um aroma maravilhoso. A rosa vermelha do amor! As suas pétalas cor de
sangue são ao mesmo tempo fogosas e macias como o veludo. Envolveu uma nas mãos.
A bela Beatrice vai encontrar a nota, disse, cortando a rosa. Eu hei-de encontrá-la,
prosseguiu, cortando uma segunda rosa, e depois veremos o que veremos. Arrancou
e jogou fora as pétalas. Voltaram até ao caramanchão e puseram-se à espera. Passados
poucos minutos, Joana ouviu passos apressados. Via perfeitamente sem se mover
um milímetro do seu posto de observação. Uma jovem correu para uma das urnas colocada
junto de um arco de murta e enfiou a mão lá dentro. Tirou um pedaço de papel dobrado.
Joana observou o grande sorriso deliciado dela enquanto levava o bilhete aos lábios.
Santo Deus,
concedestes-lhe tudo: beleza, elegância, belas mãos de dedos finos, tranças
douradas, um nascimento nobre. E, agora, o meu marido. Joana continuou a olhar,
afogada em angústia, enquanto a jovem desdobrava o bilhete, lia-o avidamente e
o escondia dentro do corpete. Isso, põe junto dos seios brancos de leite que
Felipe conhece tão bem, gritou, caindo subitamente sobre a sua presa,
arrancando-lhe bruscamente o pedaço de papel. Fico eu com isso. Que diz ele? Tremiam-lhe
as mãos e a pulsação na garganta parecia estrangulá-la. Minha querida
Beatrice... Beatrice arrancou o bilhete das mãos de Joana, rasgou-o rapidamente
e enfiou os pedaços na boca. Joana lutou com ela, vociferando. Isso, espero que
te engasgues. Pu…, como te atreves a roubar o meu marido? Afasta-te dele,
ouviste? Puxava-a, primeiro pelas roupas, depois pelo cabelo. Joana conseguiu
jogá-la ao chão e sentar-se sobre ela. Subitamente, tinha nas mãos a tesoura da
costura. Começou a cortar e a dar golpes nos caracóis dourados, ignorando o olhar
aterrorizado que a fitava e a boca aberta, incapaz de soltar um som. A tesoura enlouquecida
arranhava e rasgava cabelo e carne, e das feridas abertas escorria sangue. Completada
a tarefa, Joana levantou-se para admirar o seu trabalho. Podeis ir, baronesa,
que esta lição vos sirva para vos manterdes bem afastada de Felipe». In Linda Carlino, Joana,
a Louca, That Other Joana, 2007, Editorial Presença, Lisboa, 2009, ISBN
978-972-234-231-5.
Cortesia de EPresença/JDACT
JDACT, Cultura e Conhecimento, Espanha, História, Linda Carlino, Joana a Louca,