«(…) Até ao sétimo dia da doença permaneciam junto do seu leito a rainha Leonor, a infante Isabel e o príncipe João. Desesperaram os físicos da vida de el-rei e então o guarda-mor Nuno Manuel fez recolher a rainha e a infante para uma câmara próxima e pediu ao príncipe que se retirasse para um aposento que vai sobre o armazém. Tu, disse ao jovem Damião, com silencioso espanto de todos os clérigos e senhores que aguardavam na antecâmara, ficarás à cabeceira de el-rei e terás o cuidado de o chamar aos acidentes que lhe dão por intervalos. Assim o fez o jovem por três vezes, a que de todas el-rei acudiu, e querendo-o chamar a quarta, que era já no noveno dia. foi-lhe defeso pelos senhores que estavam na câmara. Quatro horas depois do meio-dia surgiram os verdadeiros sinais da morte, tão perfeita a memória que em alta e clara voz dizia os versículos dos salmos com os religiosos que ao redor da cama rezavam. Desgarrou-se-lhe a alma da carne às nove horas da noite, aos treze dias de Dezembro do ano de mil e quinhentos e vinte e um, dia da bem-aventurada Santa Luzia, em idade de cinquenta e dois anos, seis meses e treze dias, dos quais reinou os vinte e seis, um mês e dezanove dias.
Seis dias depois do passamento o príncipe
João era alçado rei, segundo as costumadas praxes. No ano seguinte o jovem Damião
é mandado pelo novo rei para a Flandres. Parte do Tejo na armada de Pedro Afonso
de Aguiar.
Muitos dias enrolou o tempo em seu
fuso. Maria do Céu morreu e Ana Macedo começou a sentir-se cansada, a doença a
bater-lhe à porta, sem forças para aguentar o peso daquele segredo. Conheceu que
também ela iria em breve prestar contas ao Criador. O marido ausente na corte, chegava-lhe
de Coimbra o filho Luís Vaz, levado a cabo junto do tio frei Bento, chanceler da
Universidade, o seu curso de escolar. Viviam agora numa herdade junto ao
Zêzere, na confluência com o Tejo, em Punhete, (Constância). Tendo
encontrado a mãe de cama, o olhar a arder em febre, olheiras roxas, a voz
sumida, o rapaz alarmou-se: Vou chamar o físico. Não. Espera. Não saias agora
de ao pé de mim. Luís sentou-se na beira da cama com a mão de Ana entre as suas:
Como escaldas, minha mãe! Sorriu-lhe a mãe: Assim estou bem. Vai fechar aquela porta,
que tenho de falar-te. Luís levantou-se e fechou a porta.
Cola o teu ouvido à minha boca. O
que te vou dizer nem o ar o pode ouvir… e Ana Macedo confiou o segredo ao
filho, fazendo-o jurar que o não comunicaria a ninguém. e não tardou a desfalecer.
Correu o filho a buscar os socorros
do médico e, de caminho, os do padre. E tanto
as mezinhas como o sagrado viático tiveram a virtude de curar a senhora, que
havia de percorrer ainda muita vicissiyude da vida». In Fernando Campos, A Sala das Perguntas, Difel 82, 1998, ISBN
972-290-437-X.
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