quinta-feira, 9 de março de 2023

O Lago Azul. Fernando Campos. «… serem modificados os editos contra os heréticos e seja abolida a inquisição e os castigos que, por motivos religiosos, ela nos inflige, diz e entrega a petição à duquesa»

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«(…) Ce ne sont que des gueux. Os conselheiros sorriem. O dito não tardará a correr nas minhas asas. Ao fundo do salão do trono, o mordomo anuncia: O conde de Brederode e sua delegação. Avança o conde e, diante da regente, faz vénia de joelho em terra, tal como os dois fidalgos que o acompanham. Madame, não está em causa a nossa lealdade e obediência a Sua Majestade o rei Felipe e a Vossa Alteza, que antes de mais asseguramos. Que vos traz pois, conde de Brederode? Solicitar-vos convoqueis os Estados Gerais a fim de serem modificados os editos contra os heréticos e seja abolida a inquisição e os castigos que, por motivos religiosos, ela nos inflige, diz e entrega a petição à duquesa.

Deixai ficar o documento, conde. Registamos com agrado a expressão da vossa lealdade a el-rei. Em tempo oportuno ser-vos-á dada resposta. A delegação retira-se e, cá fora, na grande praça, junta-se aos outros cavaleiros. Alguém aproxima o cavalo do de Brederode e segreda-lhe ao ouvido. Gueux? Ele disse isso? Nous ne sommes que des gueux? ,exclama o conde e, dando de esporas, inicia a cavalgada de regresso, o semblante carregado, já o apodo passava de boca a orelha uns aos outros.

Em Kulemburg, rue des Petits-Carmes, no Sablon, em casa de Brederode, comer e beber. Ouro nem prata fulgem sobre a mesa, senão escudelas de mendigo. Havia chegado a resposta da regente. Trouxera-a um dos conselheiros de estado, o conde Lamoral de Egmont: Então, conde?, pergunta Brederode. Margarita de Parma promete enviar a Felipe a petição e entrementes moderar os decretos contra os hereges. Pretende ganhar tempo, amigos, diz Henrique de Brederode, levantando-se. Pegai em vossa taça, senhor conde de Egmont. Brindareis connosco? Vira-se para os convivas, ergue a escudela e exclama: Vivam os maltrapilhos!

Vivam!, secundam todos mais o conde de Egmont e o conde de Hornes que também aqui se encontra. Cor de cinza será o saco dos nossos trajos, insígnias o alforge e a escudela». In Fernando Campos, O Lago Azul, Difel, 2007, ISBN 978-972-290-874-0.

Cortesia de Difel/JDACT

JDACT, Fernando Campos, 18º Rei de Portugal, dom António Prior do Crato, Genebra, Conhecimento, Literatura, História,