quinta-feira, 16 de março de 2023

O Homem de Constantinopla. José Rodrigues Santos. «Nas semanas seguintes, a loja de Vahan no bazar de Constantinopla registou uma inusitada procura da parte de diplomatas e comerciantes ocidentais radicados na cidade…»

 

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O Homem de Constantinopla

«(…) As paredes da mansão cobriam-se de magníficas tapeçarias provenientes de Bucara, os mais finos e requintados de todos os exemplares orientais, e as salas exibiam vistosos tapetes persas de Shiraz e Isfahan. Pormenor de grande importância, eram todos de lã; naquela casa não havia lugar para os de algodão ou de pele de carneiro ou de camelo, considerados de pior qualidade. A excepção dizia respeito a um belíssimo tapete caucasiano de pele de cordeiro, de toque suave e doce, em cima do qual o pequeno Kaloust gostava de estudar. O requinte na escolha dos tapetes para aquela casa não espantava ninguém; afinal Vahan tinha começado a sua vida profissional justamente com uma pequena loja de tapetes no bazar de Trebizonda. O negócio prosperara ao ponto de lhe ter aberto as portas ao casamento com a sua prima Veron, a filha predilecta do tio Grigoris. Acontece que Grigoris mantinha correspondência assídua com os grandes bancos estrangeiros de Constantinopla, como o Banco Otomano, criado pelos Britânicos, e o Banco Imperial Otomano, que estava na mão dos Franceses, contactos que Vahan aproveitou para expandir o seu negócio para a longínqua capital.

Tapetes eram coisa que não faltava em Constantinopla, claro, mas Vahan apercebera-se de que havia um interessante nicho de mercado por explorar. Para o seu negócio em Trebizonda havia estabelecido contacto com fornecedores do Turquistão. Os tapetes dessa região do Cáucaso, fabricados com pura lã, eram muito populares na capital e na Europa, mas apenas na sua variante mervi. Ora Vahan recebia carregamentos de modelos jumud e tekké, raramente exportados e quase desconhecidos. Os seus exemplares eram verdadeiras obras de arte, todos de grande originalidade e requinte. O comerciante não ignorava que, tratando-se de novidades, constituíam um trunfo importante para o negócio já florescente; precisava apenas de o saber jogar com sabedoria.

Foi o que fez. A conselho da mulher, que nisso dos negócios não brincava, reuniu coragem e as suas economias e investiu numa loja que abriu no bazar de Constantinopla. Logo que o estabelecimento começou a funcionar, contactou os directores ingleses e franceses dos bancos com os quais o tio, agora sogro, fazia negócios. Reservou a sala de um dos mais requintados restaurantes arménios do bairro de Pera e ofereceu-lhes um almoço digno de sultões. Antecipadamente informado dos seus interesses de coleccionadores, coroou o repasto com ofertas das melhores tapeçarias jumud e tekké que adquirira no Turquistão. Os estrangeiros ficaram encantados e não calaram o assombro diante dos seus clientes ou dos amigos que encontravam nos cocktails das legações e a quem exibiam as novidades oriundas do Turquistão.

Nas semanas seguintes, a loja de Vahan no bazar de Constantinopla registou uma inusitada procura da parte de diplomatas e comerciantes ocidentais radicados na cidade, todos eles alertados pelos seus amigos dos bancos e interessados em adquirir um exemplar de tão original mercadoria. Claro que o movimento acabou por despertar a atenção do resto da clientela e, em alguns meses, a loja enchia-se também de turcos, intrigados com os tapetes que tanta curiosidade estavam a suscitar junto dos giavour, os infiéis.

Quando o seu Kaloust nasceu, em 1869, o tio-sogro abraçou Vahan e celebrou a ocasião com uma garrafa do valente conhaque arménio. Parabéns!, exultou Grigoris com a boca a tresandar a álcool. Fizeste fortuna e tornaste-te um dos homens mais ricos de Trebizonda! Este teu filho e meu neto trará grande glória à nossa família». In José Rodrigues Santos, O Homem de Constantinopla, Edições Gradiva, 2013, ISBN 978-989-616-549-9.

Cortesia de EGradiva/JDACT

JDACT, José Rodrigues dos Santos, Literatura, A Arte,