O Homem de Constantinopla
«(…)
As paredes da mansão cobriam-se de magníficas tapeçarias provenientes de
Bucara, os mais finos e requintados de todos os exemplares orientais, e as
salas exibiam vistosos tapetes persas de Shiraz e Isfahan. Pormenor de grande
importância, eram todos de lã; naquela casa não havia lugar para os de algodão
ou de pele de carneiro ou de camelo, considerados de pior qualidade. A excepção
dizia respeito a um belíssimo tapete caucasiano de pele de cordeiro, de toque
suave e doce, em cima do qual o pequeno Kaloust gostava de estudar. O requinte
na escolha dos tapetes para aquela casa não espantava ninguém; afinal Vahan
tinha começado a sua vida profissional justamente com uma pequena loja de
tapetes no bazar de Trebizonda. O negócio prosperara ao ponto de lhe ter aberto
as portas ao casamento com a sua prima Veron, a filha predilecta do tio
Grigoris. Acontece que Grigoris mantinha correspondência assídua com os grandes
bancos estrangeiros de Constantinopla, como o Banco Otomano, criado pelos
Britânicos, e o Banco Imperial Otomano, que estava na mão dos Franceses,
contactos que Vahan aproveitou para expandir o seu negócio para a longínqua
capital.
Tapetes eram coisa que não faltava em Constantinopla, claro, mas Vahan
apercebera-se de que havia um interessante nicho de mercado por explorar. Para
o seu negócio em Trebizonda havia estabelecido contacto com fornecedores do
Turquistão. Os tapetes dessa região do Cáucaso, fabricados com pura lã, eram
muito populares na capital e na Europa, mas apenas na sua variante mervi. Ora
Vahan recebia carregamentos de modelos jumud e tekké, raramente exportados e
quase desconhecidos. Os seus exemplares eram verdadeiras obras de arte, todos
de grande originalidade e requinte. O comerciante não ignorava que, tratando-se
de novidades, constituíam um trunfo importante para o negócio já florescente;
precisava apenas de o saber jogar com sabedoria.
Foi o que fez. A conselho da mulher, que nisso dos negócios não brincava,
reuniu coragem e as suas economias e investiu numa loja que abriu no bazar de
Constantinopla. Logo que o estabelecimento começou a funcionar, contactou os
directores ingleses e franceses dos bancos com os quais o tio, agora sogro,
fazia negócios. Reservou a sala de um dos mais requintados restaurantes
arménios do bairro de Pera e ofereceu-lhes um almoço digno de sultões.
Antecipadamente informado dos seus interesses de coleccionadores, coroou o
repasto com ofertas das melhores tapeçarias jumud e tekké que adquirira no
Turquistão. Os estrangeiros ficaram encantados e não calaram o assombro diante
dos seus clientes ou dos amigos que encontravam nos cocktails das legações e a
quem exibiam as novidades oriundas do Turquistão.
Nas semanas seguintes, a loja de Vahan no bazar de Constantinopla registou
uma inusitada procura da parte de diplomatas e comerciantes ocidentais
radicados na cidade, todos eles alertados pelos seus amigos dos bancos e
interessados em adquirir um exemplar de tão original mercadoria. Claro que o
movimento acabou por despertar a atenção do resto da clientela e, em alguns
meses, a loja enchia-se também de turcos, intrigados com os tapetes que tanta
curiosidade estavam a suscitar junto dos giavour, os infiéis.
Quando o seu Kaloust nasceu, em 1869, o
tio-sogro abraçou Vahan e celebrou a ocasião com uma garrafa do valente
conhaque arménio. Parabéns!, exultou Grigoris com a boca a tresandar a álcool.
Fizeste fortuna e tornaste-te um dos homens mais ricos de Trebizonda! Este teu
filho e meu neto trará grande glória à nossa família». In José
Rodrigues Santos, O Homem de Constantinopla, Edições Gradiva, 2013, ISBN
978-989-616-549-9.
Cortesia de EGradiva/JDACT
JDACT, José Rodrigues dos Santos, Literatura, A Arte,