«(…) O ingerido. Juntou o útil ao agradável, que ela é bem bonita. E má. Olha as condições que ela impôs a el-rei para aceitar o casamento. Perseguir os judeus.
Realizaram-se as bodas em Outubro
de mil e quatrocentos e noventa e sete, o rei teve ajuntamento com a rainha e
estavam ambos em Toledo em Agosto do ano seguinte quando Isabel sucumbiu ao parto
do filho Miguel. Casou dois anos depois o rei Emanuel com a princesa Maria,
irmã de Isabel, que lhe deu e ao reino nove filhos. Viuvou a sete de Março de mil
e quinhentos e dezassete e em Novembro de dezoito, tinha o rei quarenta e nove anos,
tomava por mulher a noiva do príncipe herdeiro, a linda infante Leonor, de
vinte anos, irmã de Carlos quinto. O príncipe João embezerrou, dizem que para toda
a vida, o povo falava. Deste terceiro casamento nasceu o infante Carlos, que
não viveu mais de um ano, e, em Junho de vinte e um, urna menina a que puseram nome
Maria. Mais filhos certo teriam nascido se não fosse, seis meses depois do nascimento
desta infante, o gadanho da peste apanhar o rei pelo gasganete.
Pousava Emanuel em Lisboa, nos Paços
da Ribeira, no mais alto e próspero estado que a um rei se podia desejar,
descobertas, conquistadas e subjugadas todas as províncias marítimas desde o estreito
de Gibraltar, da Pérsia, da Índia, ilhas Ceilão, Samatra, Java, Maluco, até à china
e Lequeus. À corte vinham-lhe embaixadores dos demais reis, príncipes e
senhorias da Europa, do Sumo Pontífice e de muitos reis e senhores de África e Ásia,
uns seus vassalos e outros confederados e amigos. Abundante riqueza de ouro,
prata, especiarias cada ano lhe chegava das conquistas. Benquisto e amado dos seus
e das mais das nações onde a fama de sua real pessoa alcançava, o reino
pacífico e em sossego com vizinhos e vassalos, casado a terceira vez com uma das
mais belas princesas da cristandade, irmã do maior senhor da Europa, com seis filhos
e três filhas vivos, do segundo e terceiro matrimónio, todos formosos e de boa
disposição e virtudes, que mais se poderia acumular em rei tão venturoso senão o
bem da corte do Céu? Assirn, houve Deus por seu serviço levá-lo desta vida, para
o que lhe enviou por seus anjos uma febre, espécie de modorra, doença que
naquele tempo em Lisboa ceifava muita gente. Sentindo-se morrer, mandou a Salvaterra
de Magos chamar o príncipe João, que logo acorreu, e ficaram os dois longo
tempo a falar à puridade». In Fernando
Campos, A Sala das Perguntas, Difel 82, 1998, ISBN 972-290-437-X.
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