quarta-feira, 1 de abril de 2015

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «… vos em algũa cousa o serviço que mi fezestes e fazedes cada que a mi faz mester ou aa mha terra e por […] da mha terra e a mantiimento dos lugares que murastes e castelastes»

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A Ordem de Avis e a monarquia portuguesa até ao final do reinado de Dinis I
«(…) Estando terminada a Reconquista, a Ordem de Avis continuou a participar activamente na defesa do Reino e na construção e conservação de várias praças. Por isso mesmo, não é de estranhar que Dinis I procurasse de algum modo compensá-la das despesas e gastos que tal actividade implicava: assim, em 1303, o rei faz uma doação à Ordem, afirmando expressamente que o faz galardoando vos em algũa cousa o serviço que mi fezestes e fazedes cada que a mi faz mester ou aa mha terra e por o fazimento daquelas cousas que perdestes en meu serviço e en deffendimento da mha terra e a
mantiimento dos lugares que murastes e castelastes. Com uma base territorial que pretendia rentabilizar, a Ordem de Avis conhece, a partir dos finais do século XIII e inícios do seguinte, uma nova fase da sua existência, facilmente detectável através da documentação que chegou até nós: de facto, aumenta nesta altura, de forma considerável, o número de diplomas relacionados com litígios da milícia com particulares e outras instituições, que o rei foi chamado a decidir. Se nem sempre as contendas se resolveram a favor da Ordem, algumas vezes o monarca decide contra os opositores dos cavaleiros, como aconteceu, por exemplo em 1280, a propósito de um açude no rio Alviela e em 1299 sobre uma propriedade em Évora. Mas nem sempre assim aconteceu. Assim, se em 1280 o monarca vai tomar sob a sua protecção algum património de Avis, quatro anos mais tarde sentencia a favor do concelho de Alcanede contra a Ordem e em 1298 manda que os freires não obriguem os moradores de Estremoz a dar algo para a milícia. Ao associarmos estas sentenças negativas às inquirições de 1290, em que o rei manda que a vila de Tazem (julgado de Seia) e 11 casais de Tourais, pertencentes a Avis ficassem devassos e aí entrasse mordomo, somos levados a pensar que estamos perante uma tentativa de controlo da Ordem por parte do rei, atitude que deverá ser encarada dentro do conjunto de medidas tendentes à centralização por parte do monarca. Assim o poderão testemunhar os documentos de 1322 pelos quais o rei declara sem validade os privilégios que anteriormente concedera aos mestres e priores das Ordens a respeito dos seus ouvidores e permitindo-lhes dar cartas de seguro e cumprir justiça.
Dentro deste contexto, não é de estranhar que Dinis I tenha procurado intervir no sentido de colocar no mestrado da Ordem, durante os últimos vinte e cinco anos do seu reinado, homens da sua confiança: Lourenço Afonso, Garcia Peres Casal, Gil Martins e Vasco Afonso. No que respeita ao tempo em que o primeiro destes Mestres esteve à frente da milícia, verifica-se que esta aumentou o número de Igrejas dela dependentes, graças a doações sucessivas por parte da família real: Vila Viçosa, Portalegre, Alcanede, Elvas, Paderne, Montargil e Olivença são exemplos do que acabamos de afirmar. No entanto, a maior dádiva de Dinis I à Ordem neste período é a da vila de Noudar, graça que tem uma contrapartida (tal como acontecera em 1211 com a doação do lugar de Avis): a construção do castelo e muro da vila. Numa altura em que a disputa luso-castelhana sobre os limites dos dois reinos estava ainda na memória do monarca, não é de admirar este tipo de atitude. Aliás, pensamos que foi numa perspectiva semelhante que Dinis I aceitou a oferta dos direitos da Ordem em Olivença para ajuda da construção do seu castelo. É durante o mestrado de Lourenço Afonso que se torna mais nítida a vinculação da Ordem ao monarca, que vai culminar na intervenção directa do rei nos assuntos internos de Avis. Esse aumento de influência do rei Dinis é, aliás, perceptível na motivação expressa nas diferentes doações: 1297: polo muito serviço e remimento de pecados; 1299: em remiimento de meus pecados, por mha alma e en galardom do serviço que mi fez; 1305: por muyto serviço que vos e a dicta ordim e convento fezestes a mim e aaqueles onde eu venho e outrossy em remimento dos pecados; 1308: esgardando o serviço que mi fezeram os Maestres da Ordim d'Avis e os freires e estremadamente o Mestre dom Lourenço Afomso e seus freyres, e outrossy o serviço que mi ham de fazer de todalas cousas que am e catando o que ata aqui senpre servirom bem e lealmente assi com os corpos come com todalas coussas que ouverom e que lhy foram dadas pelos meus antecessores e per mi ata aqui»; 1317: vendo como a Orden da Cavalaria d'Avis foi sempre e he feitura e merce dos reis onde nos vimos que ante forom (...) e entendendo que quanto a dicta Ordin mays rica e milhor parada for se acrecenta no nosso serviço e dos reys que depos nos veerem em Portugal a cujo serviço a Ordim he teúda». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da FL do Porto/JDACT