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«(…) Estimulada pela data do meu aniversário,
que atrai ao meu coração alvoroçado agitações e angústias, recordo a primeira vez
que os meus olhos descobriram uma rosa: foi em Portugal, naquela Primavera depois
dos meus esponsais. Nunca havia visto flores tão delicadas. Magnólias, rosas e
jasmins de deliciosos aromas elevaram o meu espanto adormecido, durante tantos anos
oprimido em Tordesilhas. Habituada à simplicidade das flores silvestres, sem
graça e singelas que se moviam ao ritmo do vento sobre os solitários campos que
rodeavam o castelo, os meus olhos deleitaram-se ao descobrir aqueles extensos jardins,
salpicados de verdes labirintos e de graciosas fontes de águas saltitantes que refrescavam
as quentes manhãs portuguesas. Não imaginam quanto me custou aprender o nome de
tantas flores e árvores desconhecidos, catalogados por folhas, pétalas e estames.
Nos meus primeiros dias de rainha portuguesa, considerava um problema imenso tudo
o que tinha de aprender depressa para me poder comportar com graça e desenvoltura.
A tudo dispensava a minha atenção total, por considerar o preço de ter sido
escolhida como rainha consorte deste reino. A primeira tarefa foi aprender
rapidamente a língua, algo que não me custou muito em virtude da semelhança das
suas palavras com o espanhol. Recordei a urgência de solicitar conselhos à minha
irmã Leonor para preservar a autoridade sobre os membros da corte. As suas orientações
motivaram-me a continuar pelo caminho que havia começado a percorrer com serenidade
e confiança, porque considerava que os dois sentimentos me levariam pelo
caminho seguro da estima e da amabilidade.
Queridíssima Catarina, muito saudosa
irmã:
Espero que em vosso novo lar de Portugal
sejais tratada como merece vossa bondosa juventude. Embora os acordos assumidos
pelos reinos exijam obrigações, desejo que a vossa boda traga a vosso coração
uma felicidade sem par… Escrevei-me… Recebei um forte abraço,
Leonor
Aquela carta manteve-me absorta durante
horas, mas o redobrar dos sinos volta a afastar-me das minhas meditações e, com
a inocente curiosidade de uma noviça, observo através da janela. Daqui consigo ver
o perfil airoso do campanário com as suas soalhas a repicarem da torre e as pombas
a revoltearem à sua volta. Pela galeria alta em penumbras vejo afastarem-se as monjas,
a caminho do ofício divino. Mais do que a primeira oração matinal, parece um quadro
animado que avisto do meu claustro, como se fosse um entretenimento que me pode
distrair dos meus melancólicos pensamentos. A prioresa, encabeçando a silenciosa
procissão, dir-se-ia ensimesmada naquele impenetrável silêncio, como se revisse
mentalmente a leitura bíblica do dia ou as intenções do ofertório. Atrás dela seguem
todas as religiosas do convento por ordem de idades, com o semblante amável e sereno,
pensando talvez na adoração ao Santíssimo que farão de joelhos logo que passem o
umbral do recinto sagrado. Imagino o sacerdote de pé, frente ao sacrário, esperando-as
para a adoração. Umas atrás das outras, vão-se ajoelhando nos genuflexórios frente
às cadeiras do coro. Da minha janela, observo o duplo portal da igreja, aberto
de par em par, donde consigo ver o perfil perfeito dos seus hábitos negros e os
seus rostos iluminados pelo fulgor vermelho das velas. Como se um raio de luz
divina tivesse aberto caminho no céu, um brilho penetrante pousa em cada uma delas,
convidando-as à santidade. Todas admiram a sua prioresa, por isso tentam
imitá-la. Ela é fervorosa, devota e alegre, propõe-lhes um acordo lindo com
Deus e a prática constante da oração rodeada por trabalhos fecundos que façam avançar
a economia do mosteiro, bem como práticas e tradições que agradem a Deus através
da caridade, da obediência, da pobreza, da castidade e da penitência...» In
Yolanda Scheuber, Catarina de Habsburgo, Rainha de Portugal, Ediciones
Nowtilus, 2011, Casa das Letras, Oficina do Livro, 2013, ISBN
978-972-462-077-0.
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