sábado, 2 de fevereiro de 2019

Catarina de Habsburgo. Rainha de Portugal. Yolanda Scheuber. «Espero que em vosso novo lar de Portugal sejais tratada como merece vossa bondosa juventude. Embora os acordos assumidos pelos reinos exijam obrigações…»

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«(…) Estimulada pela data do meu aniversário, que atrai ao meu coração alvoroçado agitações e angústias, recordo a primeira vez que os meus olhos descobriram uma rosa: foi em Portugal, naquela Primavera depois dos meus esponsais. Nunca havia visto flores tão delicadas. Magnólias, rosas e jasmins de deliciosos aromas elevaram o meu espanto adormecido, durante tantos anos oprimido em Tordesilhas. Habituada à simplicidade das flores silvestres, sem graça e singelas que se moviam ao ritmo do vento sobre os solitários campos que rodeavam o castelo, os meus olhos deleitaram-se ao descobrir aqueles extensos jardins, salpicados de verdes labirintos e de graciosas fontes de águas saltitantes que refrescavam as quentes manhãs portuguesas. Não imaginam quanto me custou aprender o nome de tantas flores e árvores desconhecidos, catalogados por folhas, pétalas e estames. Nos meus primeiros dias de rainha portuguesa, considerava um problema imenso tudo o que tinha de aprender depressa para me poder comportar com graça e desenvoltura. A tudo dispensava a minha atenção total, por considerar o preço de ter sido escolhida como rainha consorte deste reino. A primeira tarefa foi aprender rapidamente a língua, algo que não me custou muito em virtude da semelhança das suas palavras com o espanhol. Recordei a urgência de solicitar conselhos à minha irmã Leonor para preservar a autoridade sobre os membros da corte. As suas orientações motivaram-me a continuar pelo caminho que havia começado a percorrer com serenidade e confiança, porque considerava que os dois sentimentos me levariam pelo caminho seguro da estima e da amabilidade.

Queridíssima Catarina, muito saudosa irmã:
Espero que em vosso novo lar de Portugal sejais tratada como merece vossa bondosa juventude. Embora os acordos assumidos pelos reinos exijam obrigações, desejo que a vossa boda traga a vosso coração uma felicidade sem par… Escrevei-me… Recebei um forte abraço,
Leonor

Aquela carta manteve-me absorta durante horas, mas o redobrar dos sinos volta a afastar-me das minhas meditações e, com a inocente curiosidade de uma noviça, observo através da janela. Daqui consigo ver o perfil airoso do campanário com as suas soalhas a repicarem da torre e as pombas a revoltearem à sua volta. Pela galeria alta em penumbras vejo afastarem-se as monjas, a caminho do ofício divino. Mais do que a primeira oração matinal, parece um quadro animado que avisto do meu claustro, como se fosse um entretenimento que me pode distrair dos meus melancólicos pensamentos. A prioresa, encabeçando a silenciosa procissão, dir-se-ia ensimesmada naquele impenetrável silêncio, como se revisse mentalmente a leitura bíblica do dia ou as intenções do ofertório. Atrás dela seguem todas as religiosas do convento por ordem de idades, com o semblante amável e sereno, pensando talvez na adoração ao Santíssimo que farão de joelhos logo que passem o umbral do recinto sagrado. Imagino o sacerdote de pé, frente ao sacrário, esperando-as para a adoração. Umas atrás das outras, vão-se ajoelhando nos genuflexórios frente às cadeiras do coro. Da minha janela, observo o duplo portal da igreja, aberto de par em par, donde consigo ver o perfil perfeito dos seus hábitos negros e os seus rostos iluminados pelo fulgor vermelho das velas. Como se um raio de luz divina tivesse aberto caminho no céu, um brilho penetrante pousa em cada uma delas, convidando-as à santidade. Todas admiram a sua prioresa, por isso tentam imitá-la. Ela é fervorosa, devota e alegre, propõe-lhes um acordo lindo com Deus e a prática constante da oração rodeada por trabalhos fecundos que façam avançar a economia do mosteiro, bem como práticas e tradições que agradem a Deus através da caridade, da obediência, da pobreza, da castidade e da penitência...» In Yolanda Scheuber, Catarina de Habsburgo, Rainha de Portugal, Ediciones Nowtilus, 2011, Casa das Letras, Oficina do Livro, 2013, ISBN 978-972-462-077-0.
                   
Cortesia de CdasLetras/JDACT