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A Vida Notável de uma Rainha Louca
Infância
Real (Quem não viu Lisboa, não viu
coisa boa)
«(…) Entretanto, a sua esposa, a rainha
dona Maria Ana de Áustria, deu-lhe seis filhos legítimos, três dos quais
sobreviveram até à idade adulta: Bárbara, José e Pedro. Numa invulgar dupla
cerimónia, na fronteira com Espanha, em 1729, Bárbara casou-se com Fernando de
Bourbon, príncipe herdeiro de Espanha, e o príncipe herdeiro de Portugal, José,
casou-se com a irmã de Fernando, Mariana Vitória, de apenas dez anos. Foi um
dos mais brilhantes momentos da história portuguesa. Toda a gente sabe,
escreveu o embaixador britânico trinta anos depois, que o custo imenso da roupa
e do equipamento para o duplo casamento celebrado na fronteira com Espanha
deprimiu as famílias nobres durante largos anos, não tendo algumas ainda
recuperado dessa ferida. Mariana Vitória atingiu a puberdade em 1732. O príncipe
José juntou-se-lhe na cama de casal e rapidamente a corte ficou ansiosamente à
espera de notícias. A sucessão dos Bragança dependia da fertilidade de Mariana
e houve grande júbilo quando, ao fim de dois anos, foi anunciada a gravidez da princesa.
Maria nasceu a 17 de Dezembro de 1734 e, durante os doze anos seguintes, o
casal real ainda deu à luz outras três filhas: Mariana, Doroteia e Benedita. As
quatro irmãs cresceram juntas na corte e passavam bastante tempo em Lisboa. A
fachada sul do palácio dava para um porto sempre cheio de barcos, com quase
cinco quilómetros de largura, enquanto a oriente ficava o Terreiro do Paço, que
era o
ponto de encontro
da cidade, pois nesta praça decorriam várias cerimónias religiosas e touradas
aos domingos à tarde.
Procissões de penitentes encapuçados
juntavam-se neste local durante a Semana Santa, descalços, com correntes
compridas e pesadas presas aos tornozelos, as quais faziam um ruído sinistro.
Eles transportavam pedras ou cruzes às costas e chicoteavam-se a si próprios com
tanta força que as suas costas estavam vermelhas e inchadas devido à violência
repetida das chicotadas. Duas vezes por ano, em autos de fé presenciados com
muita diligência pelo avô de dona Maria e membros da corte, a praça enchia-se
de archotes e de piras flamejantes, enquanto as vítimas da Santa Inquisição (maldita) eram garroteadas e queimadas sob as janelas do palácio.
Imagens religiosas, tanto as mais
violentas como as mais harmoniosas, povoaram a infância da princesa dona Maria.
Passava longas horas nas suas devoções, encantada com o ritual, enlevada de
prazer enquanto os músicos reais tocavam e cantavam em igrejas ricamente
ornamentadas. Assistia às missas matinais, às preces do fim da tarde na capela
do palácio e ainda havia um dia dedicado a um santo ou uma festa religiosa pelo
menos uma vez por semana. Maria sentava-se ao lado da mãe na igreja e, em todos
os serviços religiosos, Mariana Vitória beijava as páginas do seu livro de
orações, sendo seu hábito beijar os nomes de Deus, de Nossa Senhora e de todos
os santos e anjos em todos os livros que abrisse.
Também no campo, onde João V tinha
vários palácios com parques de caça que permitiam que a sua família se
entretivesse com os apaixonantes desportos sanguinários, assistiam a
festividades religiosas. O imenso palácio de Mafra, que tanto tinha
apartamentos reais como alojava várias centenas de frades franciscanos, foi
mandado construir por João para cumprir o voto feito na noite do seu casamento
de construir um convento dedicado a S. Francisco se a sua mulher lhe desse
filhos. O palácio em Belém acolhia uma escola de equitação para treinar os
cavalos reais, e foi aí que dona Maria aprendeu a cavalgar. O castelo dos
mouros, em Sintra, proporcionava um refúgio próximo no calor do Verão e as tapadas
de caça em Salvaterra de Magos e Vila Viçosa garantiam excelentes condições
para a prática desse desporto». In Jenifer Roberts,
D. Maria I, A Vida Notável de uma Rainha Louca, Casa das Letras, 2012, ISBN 978-972-462-123-4.
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