A proibição do incesto
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Nas sociedades arcaicas, a classificação das pessoas de acordo com a sua
relação de parentesco e a determinação dos casamentos proibidos transformou-se,
às vezes, numa verdadeira ciência. O grande mérito de Claude Lévi-Strauss é ter
encontrado nos meandros infinitos de estruturas familiais arcaicas a origem de
particularidades que não podem derivar unicamente dessa vaga interdição
fundamental que levou geralmente os homens à observação de leis opostas à
liberdade animal. As disposições referentes ao incesto responderam
primeiramente à necessidade de desencadear nas regras existentes uma violência
que, não sendo dominada, poderia ter perturbado a ordem à qual a colectividade
desejava obedecer. Mas, independentemente dessa determinação fundamental, leis
equitativas foram necessárias para distribuir as mulheres entre os homens; tais
disposições, estranhas e precisas, se compreendem ao examinarmos o interesse de
uma distribuição regular. O interdito actuava como uma regra qualquer, mas as regras
foram estabelecidas para responder a preocupações secundárias, que nada tinham
a ver com a violência sexual e com o perigo que ela apresentava para a ordem
racional. Se Lévi-Strauss não tivesse mostrado qual a origem de um determinado
aspecto da regra dos casamentos, não haveria nenhuma razão para não procurar aí
o sentido da proibição do incesto. Segundo ele, este aspecto tinha respondido
simplesmente à preocupação de dar uma solução ao problema da repartição das
mulheres disponíveis através da doação. Se continuarmos a procurar um sentido
para o movimento geral do incesto, que proíbe a união física entre parentes
próximos, devemos pensar primeiramente no sentimento forte que persiste. Este
sentimento não é fundamental, mas as comodidades que decidiram modalidades do
interdito não eram assim tão simples. Parece natural, num primeiro momento,
procurar uma causa a partir de formas aparentemente muito antigas. Uma vez
aprofundada, a pesquisa revela o contrário. A causa revelada não pôde ordenar o
princípio de uma limitação, mas sim utilizar o princípio para fins ocasionais.
Devemos relacionar o caso particular à totalidade das interdições religiosas
que conhecemos e não deixamos de sofrer. Existe em nós algo de mais firme que o
horror ao incesto? (A ele acrescento o respeito aos mortos, mas só
posteriormente mostrarei essa unidade primeira onde o conjunto dos interditos
aparece relacionado). É inumano aos nossos olhos unir-se fisicamente ao pai, à
mãe, e igualmente ao irmão ou à irmã. A definição dos que não devemos conhecer
sexualmente é variável. Mas, sem que a regra tenha sido jamais definida, não
devemos em princípio nos unir aos que viviam no ambiente familiar no momento em
que nascemos; há, desse lado, uma limitação que seria mais clara, sem dúvida,
se outros interditos variáveis, arbitrários aos olhos dos que não se submetem a
ele, não estivessem aí confundidos. No centro, um núcleo bastante simples,
bastante constante; em volta, uma mobilidade complexa, arbitrária, caracterizam
esse interdito elementar: quase por toda parte se encontra o núcleo sólido, e
ao mesmo tempo a mobilidade fluida que o cerca. Essa mobilidade dissimula o
sentido do núcleo. O núcleo não é ele próprio intangível, mas, ao abordá-lo,
percebemos melhor o horror primeiro, que se repercute ao acaso, algumas vezes
de acordo com a comodidade. Trata-se sempre essencialmente de uma
incompatibilidade da esfera onde domina a acção tranquila e moderada com a violência
do impulso sexual. No decorrer dos séculos, as regras que daí decorrem podiam ser
definidas sem um formalismo variável e arbitrário?» In Georges Bataille,
O Erotismo, 1957/1968, tradução de João Bernard Costa, L&PM Editores, 1987,
Editora Antígona, Lisboa, 1988, ISBN 978-972-608-018-3.
Cortesia de L&PM/E Antígona/JDACT