sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

A Ponte dos Suspiros. Fernando Campos. «A Senhoria julgará. Quem pensa a Senhoria que é? Saía o embaixador irritado. A formiga contra o elefante! Esmagar-vos-ei...»

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A Ponte dos Suspiros

Os Sinais do Corpo

«(…) Brito Almeida açodava o passo, o frade atardava-se na leitura do documento. Os cânticos e a folia juvenis esbatiam-se na distância e na desatenção dos dois amigos:

Amor ne vien ridendo con rose e gigli in testa e vien di voi caendo. Fategli, o belle, festa, qual sarà la piú presta a dargli e flor del maggio...

Lá vem Amor sorrindo de rosa e lis c'roado e vem de vós espargindo. Fazei-lhe, moças, festa, qual a de vós mais presta a dar-lhe a flor de Maio...

Don Francisco Vera y Aragón meteu esbaforido pelos paços de São Marcos, subiu a dois e dois os degraus da escadaria e só parou lá em cima à porta da sala do Collegio. Aguardava-o apenas o juiz Marco Quirini: Que deseja o senhor embaixador de Espanha?, perguntou. Não faz meio mês que estivestes aqui e nada do que vos disse então... Sua Majestade o meu senhor escreve-me a ordenar que insista junto da Senhoria... nada do que vos então disse perdeu actualidade. a Senhoria tem de condenar esse prisioneiro pelo menos às galés... Pelo menos? ... se não à forca.

Tão alto preço atinge o prisioneiro para a coroa de Espanha? Tão grande a ameaça um mistificador? Ou será que...? Senhor juiz! Senhor Don Francisco Vera y Aragón, não vos admireis de que se mostre cada vez mais clara a presunção de que ele é... Senhor! Não sei mais que vos diga, embaixador. A Senhoria julgará. Quem pensa a Senhoria que é? Saía o embaixador irritado. A formiga contra o elefante! Esmagar-vos-ei... E levantava o punho ameaçador. Desembocava na piazza a trupe foliona nos folguedos do tanger, cantar e dançar...

Ciascuna balli e canti di questa schiera nostra. Ecco che i dolci amanti ven per noi, belle, in giostra...

Todas juntas bailemos, aí vem o amante. Neste rancho cantemos que ele vem pró descante...

Don Francisco estacou um pouco a olhar aos lados por onde se haveria de escapar à multidão. Caminhou sob as arcadas em direcção à margem do canal. Cruzou-se com... Um fantasma!, estremeceu. Era o prisioneiro!... Mas como? A Senhoria-apressara-se a pô-lo em liberdade, depois de, ainda há pouco...? Ah! Não!» In Fernando Campos, A Ponte dos suspiros, 1999, Difel SA, 2000, ISBN 978-972-290-806-1.

Cortesia de Difel/JDACT

JDACT, Fernando Campos, História, Literatura,