«(…) Conway, que conhecia um pouco o idioma afegane, arengou com os homens conforme pôde, naquela língua, mas sem resultado. Quanto ao piloto, a única resposta a qualquer pergunta, em qualquer língua, era um significativo aceno com o revólver. O sol do meio-dia, chamejando sobre o tecto da cabina, aquecia o ar inteiro a tal ponto que os ocupantes dela estavam quase a desmaiar, com o calor e o esforço despendido em protestos. Viam-se absolutamente impotentes; era condição da evacuação que viajariam sem armas. Quando afinal os tanques foram fechados, passou-se uma lata de petróleo cheia de água morna por uma das janelas da cabina. Ninguém respondeu a pergunta alguma, ainda que os homens não parecessem pessoalmente hostis. Depois de outra conferência voltou o piloto para o seu posto; desajeitadamente, um dos afeganes pôs a hélice em movimento, e recomeçou o vôo. A partida, naquele espaço confinado e com a carga suplementar de combustível, foi ainda mais magistral do que a aterragem. O avião ergueu-se por entre o nevoeiro, depois voltou-se para o oriente, como a assentar um rumo. Ia em meio a tarde. Que caso extraordinário.
Era
para desorientar! Já retemperados pelo ar mais fresco, mal podiam crer os
passageiros que tudo aquilo de facto acontecera. Era um ultraje sem precedente
e sem igual, mesmo nos anais turbulentos da fronteira. E, se não fossem eles
mesmos as vítimas, certo o reputariam incrível. Era a coisa mais natural do
mundo que a esse primeiro momento de incredulidade se seguisse uma explosão de
indignação e, dissipada esta, uma ansiosa curiosidade. Apresentou Mallinson uma
teoria que foi aceita, à falta de outra melhor: tinham-nos raptado para serem
postos a resgate. Se o processo não era novo, a técnica não carecia de
originalidade. Já era consoladora a ideia de que não tomavam parte num facto
inteiramente virgem na história mundial; afinal, já tinha havido muito rapto no
mundo e boa parte deles acabara bem. Os homens os reteriam em algum covil das
montanhas até que o governo pagasse, e então lhes dariam a liberdade. Seriam
tratados com toda a consideração, e, como o dinheiro do resgate não lhes sairia
do próprio bolso, aquilo só seria desagradável enquanto estivessem
prisioneiros.
Mais
tarde, certamente, a Air Force enviaria um avião de bombardeio, e ficava-se com
uma boa história para contar durante o resto da vida. Foi Mallinson que, um
tantinho nervoso, enunciou esta conclusão. O americano, porém, entendeu de
fazer espírito barato: Pois, meus senhores, parece-me que é uma bela ideia, seja
lá de quem for, mas não posso dizer que a sua Air Force se cobriu hoje de
glória. Vocês, ingleses, fazem chacota dos assaltos de Chicago e outras coisas,
mas não me lembra nenhum caso de um bandido ter fugido assim sem saber o que
fez este sujeito do verdadeiro piloto. Posto que o derrubou com uma paulada na
cabeça. E acabou num bocejo.
Era
Barnard um homem alto e corpulento: no rosto duro, os vincos pessimistas não
apagavam por completo a expressão de bom humor. Pouco se sabia dele em Baskul;
viera da Pérsia, onde, ao parecer, se entregava ao comércio de petróleo. Conway,
por seu lado, ocupava-se numa tarefa prática: reunia todos os pedacinhos de
papel que seus companheiros traziam e neles escrevia mensagens em várias
línguas nativas para, de espaço a espaço, deixar cair uma delas. Em região de tão
escassa população era magra a esperança, mas valia a pena tentá-la. O quarto
passageiro era uma mulher, miss Brinklow. Toda tesa no assento, com os lábios
apertados, poucos comentários emitia e nenhuma queixa. Era de baixa estatura e
aparência coriácea. Dir-se-ia, ao observá-la, que assistia constrangida a uma
reunião onde sucediam coisas contrárias aos seus princípios. Conway falava
menos que os outros dois, pois transmitir mensagens em vários dialetos é um exercício
mental que exige concentração. Respondia, ainda assim, às perguntas que lhe
dirigiam e concordara, a título de ensaio, com a teoria de rapto apresentada
por Mallinson. Aquiescera também, até certo ponto, nas observações de Barnard
sobre a Air Force». In James Hilton, Horizonte Perdido, 1986, Publicações
Europa-América, 1986, ISBN 978-972-101-163-2.
Cortesia de PEAmérica/JDACT
JDACT, James Hilton, Literatura,