O Legado de Nuno Álvares Pereira
«(…) A consolidação da nova
dinastia de Avis e a vitória dos seus partidários sobre a facção castelhana deu azo à emergência de uma nova
nobreza composta, na sua grande
maioria, por filhos segundos e membros de linhagens inferiores que se haviam destacado
militarmente no apoio ao mestre de Avis. O maior beneficiado destes nobres foi,
sem dúvida alguma, dom Nuno Álvares Pereira nascido em 1360, filho bastardo de Álvaro
Gonçalves Pereira, prior do Hospital, e de Iria Gonçalves Carvalhal. O condestável
casara, muito jovem, com dona Leonor Alvim, viúva de Vasco Gonçalves Barroso. A
sua condição de viúva parece justificar este matrimónio algo atípico, dado a
precoce idade de dom Nuno (que tinha dezasseis anos quando casou) e o estatuto económico superior da noiva, já que as
viúvas constituíam, no mercado matrimonial, uma segunda escolha, uma opção
desvalorizada.
Deste casamento, o condestável teve apenas uma filha, dona Beatriz.
Quando o condestável enviuvou em
1387, dom João I propôs-lhe novo matrimónio, desta feita com dona Beatriz Castro,
filha de Álvaro Pires Castro que, curiosamente, fora o primeiro condestável do
Reino, nomeado por dom Fernando, em 1382. Viúvo cobiçado, detentor de uma
enorme fortuna, talvez a maior do Reino nessa altura, e com apenas uma filha,
era natural que Nuno Álvares Pereira voltasse a casar. Contudo, o condestável
recusou terminantemente a proposta do rei. Seria o início da sua vida casta e
ascética. O seu marcante desempenho durante a crise dinástica, que lhe havia
granjeado importantes doações de terras e títulos, sobretudo confiscados aos
familiares e principais aliados de dona Leonor Teles, tornara-se algo perigoso
para o novo rei, que se arrependera, em parte, das grandiosas doações que
fizera. Nuno Álvares Pereira era o único nobre no Reino com uma hoste capaz de
lhe fazer frente.
Dona Beatriz, herdeira da imensa
fortuna do seu progenitor, era uma noiva muito almejada. O rei, arrependido,
via na união de dona Beatriz com um dos seus filhos uma solução de compromisso
e uma forma dos bens por ele doados regressarem à Coroa. Por seu lado, o
condestável via na ligação à família real uma estratégia para potenciar, ainda mais,
o seu poder. Todavia as negociações não foram fáceis. O monarca pretendia casar
a herdeira do condestável com o sucessor do trono, o príncipe dom Duarte, significativamente
mais novo do que dona Beatriz. Contudo, não era essa a pretensão do condestável,
que dava primazia à construção de uma casa senhorial independente da casa real.
Do ponto de vista de Nuno Álvares
Pereira, o objectivo central a atingir com o casamento da filha seria o da
constituição de uma casa senhorial que perpetuasse a sua linhagem e a sua memória.
A solução foi encontrada em dom
Afonso, filho natural de dom João I, significativamente mais velho do que os
infantes seus irmãos e de idade muito similar a dona Beatriz. A bastardia de dom
Afonso garantia a Nuno Álvares Pereira a proximidade desejada com a casa real
mas independência quanto bastasse. É interessante notar que, apesar de Nuno
Álvares Pereira ter conseguido a construção de uma casa que o veria sempre como
o fundador, quer a nível patrimonial quer ao nível do capital simbólico, os
seus descendentes nunca adoptaram o seu apelido, Pereira. Pelo contrário,
estes, à semelhança da família real, de quem também descendiam (ainda que por
via bastarda), não utilizavam apelido.
Afonso nasceu entre os anos de
1370 e 137734, filho de Inês Pires e de João I, na altura, mestre de Avis, no
castelo de Veiros, em Estremoz. Foi ali criado por sua mãe e mais tarde em
Leiria por Gomes Martins Lemos, conselheiro régio. Desta união, que nunca foi
legitimada, nasceria também uma filha, dona Beatriz, futura condessa de Arundel».
In
Maria Barreto Dávila, D. Fernando I, 2º duque de Bragança, Vida e Acção
Política, Dissertação de Mestrado, FCSHumanas, UNLisboa, 2009.
Cortesia de FCSH/UNL/JDACT
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