Com a devida vénia à Doutora Maria do Carmo Pinto
Heróis ou Anti-Heróis.
Filipe
III e a Inquisição (maldita). Antes e depois do perdão de 1605
«(…) Perante as dificuldades
financeiras que teimavam em persistir, Filipe III viu-se, novamente, na
contingência de ter de procurar apoio junto dos cristãos-novos. Assim, durante
a primeira metade de 1601, a gente
de nação obteve a revogação da lei decretada por dom Henrique
e confirmada por Filipe II, que os impedia de sair do reino e de venderem os
seus bens, mediante um pagamento de 170 mil cruzados, que posteriormente passou
a 200 mil, sendo-lhes, igualmente, dada permissão para se fixarem nos
territórios portugueses além-mar. Ainda nesse mesmo ano, um alvará régio de 24
de Novembro de 1601 proibia a utilização da designação de cristão-novo, confesso,
marrano ou judeu, relativamente a qualquer descendente dos conversos, sob pena
de multa e prisão, sendo provável que a promulgação desta lei tenha sido obtida
mediante o pagamento pelos cristãos-novos de avultada quantia. Contudo, à
vontade expressa da Inquisição (maldita) sobrepunham-se as exigências do erário
régio. Os que defendiam que o perdão fosse concedido argumentavam que era necessário
organizar uma poderosa esquadra que afastasse, definitivamente, a navegação
holandesa e inglesa das costas da Índia. Nem o dinheiro dos confiscos podia
constituir solução, uma vez que o tempo escasseava e não chegaria a tempo.
Assim, os cristãos-novos
prometiam a Filipe III um serviço voluntário de 1.700.000 cruzados62, prescindindo
do pagamento de 225 mil cruzados que a fazenda devia a alguns deles, caso o
monarca conseguisse obter o perdão geral das culpas de apostasia e judaísmo. Os
cristãos-novos estavam tão apostados em garantir que as suas pretensões fossem
ouvidas que tinham, inclusivamente, distribuído benesses financeiras, no valor
de 100 mil cruzados, por diversas personagens importantes da corte madrilena,
entre as quais o próprio duque de Lerma. Porém, o valido de Filipe III e o
próprio monarca não se mostravam menos interessados no acordo, desejosos que
estavam em obter o apoio dos financeiros portugueses. Num primeiro momento, entre
aqueles que abandonaram Portugal e procuraram refúgio no reino vizinho, a par de
importantes banqueiros, em especial lisboetas, e homens de negócio que se
fixaram na corte e em Sevilha, porta de saída para as Índias de Castela,
figuravam, também, modestos mercadores que entraram em Castela aproveitando o
vazio deixado pela crise económica que varrera Castela no final do século XVI e
pouco a pouco se foram integrando e enriquecendo. O duque de Lerma firmou com
eles vários contratos, aproveitando, desta forma, os recursos e contactos que
os cristãos-novos estavam em condições de oferecer em troca de certas
concessões e de bons negócios. Os problemas religiosos e de limpeza de sangue
foram relegados para segundo plano.
Poucos meses depois da publicação
do perdão geral, por alvará de 5 de Junho de 1605, foi constituída, em Lisboa,
uma Junta, presidida por Constantino Mello, incumbida do maneio e distribuição
do referido serviço. Os cristãos-novos ou por que se encontrassem desiludidos
com Filipe III por não os ter considerado em condições de exercerem certos
cargos e honras, ou por que tivessem prometido verbas de que não dispunham,
quando chegou o momento da cobrança não cumpriram aquilo a que se tinham
obrigado. Impôs-se a coacção, mas os cristãos-novos regateavam o pagamento,
vendiam seus bens e tentavam fugir. Perante este quadro o monarca considerou
que não se encontrava mais obrigado a cumprir a sua promessa e no ano seguinte,
em 1606, Filipe III proibiu os cristãos-novos de saírem do reino, sem provisão
sua ou sem quitação do presidente da referida Junta. O reino converteu-se em
prisão por dívidas. A atitude de benevolência manifestada pelo monarca no início
do seu reinado esfumava-se pouco a pouco e os cristãos-novos não foram os únicos
que sofreram com a alteração de comportamento de Filipe III». In
Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João
IV, Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História,
Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
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JDACT, Conhecimentos, D. João IV, Elvas, Évora, Maria do Carmo T. Pinto,