sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de João IV. Maria do Carmo T. Pinto.«O dinheiro arrecadava-se (...) mas os cascos apodreciam desarmados, enquanto os piratas acoutavam os nossos mares. O erário régio exigia reformas profundas que tardavam e o desequilíbrio aumentava»

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Com a devida vénia à Doutora Maria do Carmo Pinto

Heróis ou Anti-Heróis.

Filipe III e a Inquisição (maldita). Antes e depois do perdão de 1605

«(…) Se analisarmos com algum cuidado a política de Filipe III, facilmente nos podemos aperceber que ocorreram profundas alterações na forma como se desenrolou o relacionamento entre o monarca e o Tribunal do Santo Ofício (maldito) e entre aquele e os cristãos-novos. No início do século XVII, a fazenda real, cuja última quebra tinha ocorrido em 1596, antes da subida de Filipe III ao trono, passava por novos apuros que culminou na bancarrota de 1607. O monarca determinou a imposição aos navios mercantes de um novo tributo, consulado, o qual deveria ser aplicado, exclusivamente, à defesa dos portos e do comércio marítimo. Esta decisão foi cumprida apenas durante alguns anos, uma vez que o produto do recente imposto, tal como já acontecera com a terça dos concelhos destinadas à reparação das fortalezas, depressa foi consumido nas despesas urgentes. O dinheiro arrecadava-se (...) mas os cascos apodreciam desarmados, enquanto os piratas acoutavam os nossos mares. O erário régio exigia reformas profundas que tardavam e o desequilíbrio aumentava. Mesmo o lançamento de um direito novo no valor de 220 réis sobre cada moio de sal exportado veio revelar-se insuficiente para resolver o problema financeiro. Considerando a conjuntura adequada a uma aceitação das suas exigências, os cristãos-novos tentaram a consciência do príncipe, prometendo-lhe avultadas quantias em troca da recuperação de imunidades que no reinado de dom Sebastião lhe tinham sido concedidas e cuja revogação por parte de dom Henrique foi confirmada por Filipe II. O desaparecimento de Filipe II e as dificuldades do tesouro nos primeiros anos do reinado de Filipe III aplanaram o caminho aos cristãos-novos. A súplica era audaz, mas a ocasião favorecia os requerentes.

O principal objectivo dos cristãos-novos era conseguirem, efectivamente, obter o perdão geral que havia muito procuravam alcançar e que, concedido por Clemente VII a 23 de Agosto de 1604, acabaria por ser publicado em 16 de Janeiro de 1605. Porém, até o conseguirem concretizar houve que percorrer um longo caminho, aliás iniciado ainda no reinado de Filipe II. Assim, logo em 1598, começaram por oferecer à Coroa 675 mil cruzados, além de lhe facultarem um empréstimo no valor de 500 mil ducados, sem juros, a ser aplicado às naus da Índia e cujo reembolso assentava na pimenta que as mesmas trouxessem. Tanto em Portugal como em Castela, a disponibilidade manifestada pelos cristãos-novos para ajudar Filipe III suscitou forte oposição. O impasse acabou por ser ultrapassado com a proposta apresentada pelos Governadores de Portugal, em Fevereiro de 1600, na qual o reino se comprometia a pagar um serviço de 800 mil cruzados, em prestações anuais, como forma de indemnizar a coroa das somas que deixaria de receber, obrigando-se o monarca, em contrapartida, a rejeitar a pretensão dos cristãos-novos ao perdão geral. O governo castelhano aceitou a proposta mas esta acabou por não obter a anuência do Senado da Câmara de Lisboa com base no facto de não terem sido ouvidos os representantes das cidades e lugares do reino com assento nas Cortes, pelo que o acordo ficou sem efeito, pelo Alvará de 30 de Outubro de 1601. In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV, Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.

Cortesia de UAberta/JDACT

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