quarta-feira, 27 de junho de 2018

A Verdadeira História. Margaret George. « Foi difícil convencê-los. O que teria acontecido? Ela sentiu o coração disparar e ficou ouvindo. O seu pai, Natã? E acenou para ela. Sim, respondeu ela»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) O Sol foi descendo no céu até ficar quase no horizonte, lançando sobre o acampamento sombras coloridas das árvores e dos camelos próximos. A fumaça das várias fogueiras levantou-se, projectando nuvens igualmente coloridas e a paisagem tornou-se uma espécie de névoa violeta. Está quase tudo pronto, disse a Maria mais velha, com um suspiro de alívio e satisfação. Colocou alguns pães para assar no forno, retirando dois que já estavam prontos. Colocou-os ao lado, para esfriarem e o seu cheiro espalhou-se pelo ar. Rute e Lia haviam transferido o feijão para tigelas de cerâmica, que dispuseram sobre a coberta onde a comida seria servida. As duas lamparinas do Sabá também foram colocadas ao lado da coberta. Os meninos trouxeram um odre com vinho, e as suas irmãs, as taças; queijo de cabra, peixe seco, amêndoas e figos foram dispostos sobre um pano. O Sol chegara ao horizonte. O que ficara faltando, teria que ser feito rapidamente, ou esquecido. As cordas das barracas estavam firmes? Durante o Sabá não se podiam atar nós. O fogão fora apagado? Não se podia cozinhar nem esquentar comida durante o Sabá. Alguém tinha alguma coisa para escrever? Tinha de fazê-lo rápido, não se podia escrever durante o Sabá, excepto com tinta de sucos de frutas, ou na areia, ou com a mão esquerda, se esta não fosse a mão que normalmente se usava para escrever.
Rapidamente, Rute penteou o cabelo, no Sabá não era permitido pentear-se, Lia tirou as fitas do cabelo de má vontade, os enfeites eram proibidos. Os homens tiraram as sandálias com pregos, não eram permitidas. Jesus voltou e, rapidamente, sentou-se, tirando as suas sandálias. Encontrou as nossas famílias?, perguntou Maria. Falou com eles? Permitiram que ficássemos?, perguntou, sem falar. Tinha a certeza de que teria de voltar para lá, e bem rápido, antes de o Sol se pôr. Sim, disse Jesus. Encontrei todos. Inclinou-se para a frente, ainda sem fôlego. Quezia, a sua família pareceu ficar contente por ter sido convidada a passar o Sabá connosco. Olhou em volta, para Raquel e Sara. A sua família não ficou tão contente, mas deram a sua permissão. E a sua... Olhou para Maria. Foi difícil convencê-los. O que teria acontecido? Ela sentiu o coração disparar e ficou ouvindo. O seu pai, Natã? E acenou para ela. Sim, respondeu ela. Ele disse que não era certo, que não nos conhecíamos e que ele era muito rigoroso em relação a não se misturar com famílias menos devotas. Sim. Claro, Maria sabia disso. Queria alguma prova de que éramos respeitáveis. E como, como é que o poderia saber? Fez um teste comigo. Jesus riu, achando que fora mais uma diversão que um insulto. Quis saber os meus conhecimentos das escrituras, como se isso revelasse as minhas insuficiências.
Aí, foi a vez de sua mãe dar uma gargalhada. O teste errado!, disse, balançando a cabeça. Os rabinos de Jerusalém já sabem disso. E voltou-se para as convidadas. No ano passado, Jesus ficou para trás, em Jerusalém, discutindo alguns aspectos das escrituras com os escribas e os rabinos do Templo. Entendo a preocupação dos seus pais, de uma filha ficar com outras pessoas, Maria, mas ninguém ganha uma competição sobre as escrituras com Jesus. Jesus meneou a cabeça. Não foi uma competição, disse. Ele só me perguntou sobre alguns textos... E deu de ombros. Todos se juntaram em torno da coberta, embora ainda sobrassem alguns raios de sol. Rute abaixou-se e acendeu as lamparinas do Sabá, com o cabelo enrolado em volta da cabeça. Calmamente, observaram o pôr-do-sol. Maria lembrava-se de que o fazia semanalmente quando estava em casa, mas esta era a sua primeira experiência de passar o Sabá com uma família que não era a sua. Em casa, sempre havia uma expectativa, uma ansiedade pela chegada do Sabá. E quando chegava..., é, parecia diferente, desta vez. Quase mágico. Podia dizer para si própria: este é o pão do Sabá, esta é a água do Sabá, esta é a luz do Sabá.
De algum lugar do acampamento soaram duas notas de uma trombeta, repetidas por três vezes. Assinalava o início do Sabá, o entardecer entre o surgimento da primeira e da terceira estrela no céu ainda claro. Segundo a tradição, as primeiras duas notas avisavam quem estava trabalhando para que parasse de o fazer; as duas segundas preveniam os mercadores para que terminassem os seus negócios; e as terceiras, para avisar que chegara a hora das luzes do Sabá. O Sabá começara a iluminar, dizia-se. Maria, a mãe, aproximou-se das lamparinas para fazer a prece. Abençoado seja o Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que santificou os dez mandamentos e nos mandou acender a lamparina do Sabá. Sua voz, baixa e agradável, fazia que as palavras parecessem mais ricas. Todos se acomodaram junto à coberta. O céu escurecia rapidamente e a luz das lamparinas se tornava cada vez mais clara; havia outras lamparinas, colocadas do lado de fora da barraca. Exceptuando um ou outro mugido ou balido de algum animal, parecia que um leve sopro estava suspenso no ar». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.

Cortesia de SdeEmergência/JDACT