A
Primeira Cruz. Dezembro de 1107
«(…) Hélène não parava de gritar.
Ela conseguiu chegar aos últimos degraus da escada de madeira. A mancha de luz
da lamparina dançava enlouquecida. O outro, o assassino, continuava a cortar o
ar com o machado logo atrás dela. O saguão. O homem estava quase em cima de
Hélène. Mais três ou quatro passos e a atingiria. Ela virou-se ligeiramente e
compreendeu que a sua hora chegaria se não reagisse. O matador e a sua sombra
eram uma coisa só. A noite pareceu materializar-se ao criar vida na sua capa,
no capuz, em toda a sua silhueta. A lâmina do machado brilhou na luz produzida
pelo lampião a óleo. O lampião... Hélène jogou-o repentinamente em cima do
agressor, atingindo-o na parte debaixo da capa, cujo tecido se colou à perna
direita. Enquanto ele se debatia contra as chamas, a mulher conseguiu sair da
casa, chegando à rua coberta de neve. Os flocos crepitavam na noite. A jovem
tratou de se distanciar da sua casa. Persianas se abriram ao redor. A cabeça de
um homem gordo, cheio de sono, com os cabelos desgrenhados, apareceu na janela.
Hélène, é você quem está fazendo toda essa algazarra?, surpreendeu-se ele. Mais
cabeças se inclinaram para a rua onde a fugitiva, descalça na neve, girava sem sair
do lugar, boneca apavorada que procurava uma salvação com os olhos. Arcis foi
massacrado no escritório!, proferiu ela. O assassino saiu da casa. Ele havia
rasgado a opalanda em chamas e ainda a segurava nas mãos, parecendo rodá-la à
sua volta como uma asa de fogo. Hélène recuou por reflexo. Discernia vagamente
o olhar do demónio sob o capuz. Olhos de gato que pareciam sorrir.
O homem exibiu a mão de Arcis
Brienne como um troféu e, finalmente, livrou-se da capa largando-a na neve,
onde, como uma poça de sangue negro, ela acabou de se consumir. Em seguida,
fugiu, deixando Hélène cheia de frio e de dor, soluçante e perdida. O seu velho
amor estava morto. O seu Arcis... O seu esposo tão bom, a quem ela amava mais
do que a um pai.
O rei
de Jerusalém
Jerusalém, três anos antes.
Um calor húmido colava as roupas
no corpo. O jovem Balduíno, rei de Jerusalém, irmão de Godofredo Bulhão, morto
no ano 1100, consultava as plantas junto com os cavaleiros Bertrand e André.
Grandes folhas haviam sido desenroladas numa mesa e o suserano, mal-barbeado,
com o suor escorrendo pelo pescoço, deslizou um dedo preguiçoso nas linhas traçadas
por um dos seus melhores arquitectos. A sala era ampla e, num dos lados,
grandes ogivas davam para uma galeria externa sombreada que conservava um pouco
do frescor da noite. Bandeirolas, auriflamas, bandeiras e pendões haviam sido
erguidos aqui e acolá, orgulhosos sinais da presença dos cavaleiros cruzados
que haviam tomado posse dos limites do Templo de Salomão, bem como das suas
dependências, onde estabeleceram um reduto solidamente fortificado para fazer
escavações ao pé da sede e em toda à volta da mesquita al-Aqsa.
Fazia pouco tempo que as ruínas,
datadas da época israelita pelos engenheiros, haviam sido restauradas. Todos os
dias, centenas de trabalhadores se matavam a trabalhar cavando uma terra
vermelha e dura sob as ordens de contramestres vigilantes, atentos para que os
enxadões e as pás não quebrassem uma jarra antiga nem estragassem uma estatueta
de ouro... Os homens cantavam para ter coragem, com a pele nua das costas
cozinhando sob o sol, as mãos que se tornavam calosas de tanto manejar
ferramentas pesadas, a garganta cheia de uma poeira grossa que a água, apesar
de bebida em grande quantidade, não conseguia extinguir. Mesmo assim eles
cantavam, misturando os seus dialectos como os operários de Babel. O jovem
Balduíno dobrou as plantas e largou-as num canto da mesa, depois pegou novamente
numa missiva que já havia lido várias vezes nos últimos dias. Precisamos
realmente do apoio dos champanheses?, perguntou, percorrendo de novo a mensagem
com os olhos. O conde Hugues é rico demais para se interessar por soldados do Cristo como nós! No
entanto, teremos de ser simpáticos com ele, sire Balduíno, disse Bertrand, sorrindo».
In Didier Convard, O Triângulo Secreto, Os Cinco Templários de Jesus, 2006,
Editora Bertrand Brasil, 2013, ISBN 978-852-861-663-7.
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