sábado, 16 de junho de 2018

Um Pedacinho de Céu. Júlia Quinn. «Sim, sim podia. Porque estava é claro sozinha, a chuva levou trinta segundos para ir de um ligeiro gotejar a um aguaceiro»

Cortesia de wikipedia e jdact

Março de 1824. Cambridge, Inglaterra
«Honoria Smythe-Smith estava desesperada. Desesperada por um dia ensolarado, desesperada por um marido, desesperada pensou, com um suspiro exausto, enquanto olhava as suas sapatilhas arruinadas, por um novo par de sapatos. Sentou pesadamente no banco de pedra fora da Loja de Tabaco para cavalheiros exigentes do Senhor Hilleford e recostou-se contra a parede atrás dela, desesperadamente. Aí estava essa horrível palavra de novo, tentando apertar o seu corpo inteiro sob a marquise. Estava chovendo a cântaros. Não estava chuviscando, não somente chovia, mas sim chovia gatos, cães, ovelhas e cavalos. Nesse ritmo, não ficaria surpresa se um elefante caísse do céu. E fedia. Honoria pensara que os porcos produziam o aroma que menos gostava, mas não, o mofo era pior, e a Loja de Tabaco para Cavalheiros do Senhor Hilleford, a quem não importava se os seus dentes se tornassem amarelos, tinha uma substância branca suspeita arrastando-se pela sua parede exterior que cheirava como a morte.
Realmente, ela podia estar em pior situação? Bem, sim. Sim, sim podia. Porque estava é claro sozinha, a chuva levou trinta segundos para ir de um ligeiro gotejar a um aguaceiro. O resto da sua companhia de compras havia cruzado a rua, felizmente observando o quente e acolhedor Império Extravagante de Fitas e Bagatelas da Senhorita Pilaster, que além de ter todo o tipo de diversão e mercadoria com folhetos, cheirava muitíssimo melhor que o estabelecimento do Senhor Hilleford. A Senhorita Pilaster vendia perfumes. A Senhorita Pilaster vendia pétalas de rosa secas e pequenas velas que cheiravam a baunilha. O Senhor Hilleford colhia mofo. Honoria suspirou. Assim era a sua vida. Permanecera muito tempo na janela de uma livraria, assegurando para as suas amigas que as encontraria na loja da Senhorita Pilaster num ou dois minutos. Dois minutos que se converteram em cinco e, depois, justamente quando estava preparando-se para atravessar a rua, o céu abriu-se e Honoria não teve mais opção, que buscar refúgio sob a única marquise aberta no lado sul da Cambridge High Street.
Observou aflita a chuva, vendo-a golpear a rua. As gotas estavam golpeando os paralelepípedos com uma força tremenda, salpicando e orvalhando de volta ao ar como pequenas explosões. O céu estava mais escuro a cada segundo, e se Honoria fosse qualquer juiz do clima inglês, o vento iria virar a qualquer momento, dando completa inutilidade ao seu patético lugar sob a marquise do Senhor Hilleford. A sua boca deslizou num franzido abatido, e entrecerrou os olhos para o céu. Os seus pés estavam húmidos. Sentia frio.
E nunca antes, na sua vida inteira, deixara os limites da Inglaterra, o que significava que era mais que boa julgando o clima inglês, e em aproximadamente três minutos ia ser inclusive mais infeliz do que estava agora. O que realmente não acreditara ser possível. Honoria? Piscou, levando o olhar do céu para a carruagem que estacionou na frente dela. Honoria? Ela conhecia essa voz. Marcus? Oh, santo céu, a sua miséria só parecia aumentar. Marcus Holroyd, o conde de Chatteris, feliz e seco na sua luxuosa carruagem. Honoria sentiu a sua mandíbula afrouxar, embora realmente, não soubesse por que deveria estar surpresa. Marcus vivia em Cambridgeshire, não muito longe da cidade. Além disso, se alguém iria vê-la enquanto parecia como uma desalinhada e molhada criatura da variedade roedora, seria ele. Deus Santo, Honoria, disse, franzindo o cenho para ela naquela maneira desdenhosa dele, deve estar congelando. Aprumou-se para escolher os ombros. Sim está um pouco fresco. O que está fazendo aqui? Arruinando sapatos. O quê? Compras, disse ela, apontando para outro lado da rua, com amigas. E primas. Não que as suas primas não fossem também amigas. Mas tinha tantas primas que quase pareciam uma categoria em si mesma. A porta abriu-se mais. Entre, disse ele». In Julia Quinn, Um Pedacinho de Céu, Edições ASA, 2017, ISBN 978-989—233-846-0.

Cortesia EASA/JDACT