sexta-feira, 8 de junho de 2018

O Triângulo Secreto. Didier Convard. «Sentado na frente deles, Hertz intrometeu-se na conversa, apontando-os com o garfo: isso porque não se trata de uma cerimónia comum. Essa possui as indefectíveis virtudes da Tradição»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Lágrimas do Papa
«(…) Mosèle chegou até ao carro coxeando ligeiramente. Abriu a porta, sentou-se no banco e, por um instante, ficou ligado na direcção, reflectindo... Por fim, accionou a ignição. Esses malucos tentaram atropelar-me de propósito! Deu-se conta de que havia mantido o cigarro nos lábios. Abriu a janela e atirou-o fora com um piparote. Sentia um gosto de tabaco molhado na garganta. Amargo e pegajoso. Pegajoso como os seus pensamentos. Isso porque Mosèle agora sabia que Francis Marlane havia morrido. Francis, o seu amigo. O seu irmão! Francis, trinta e seis anos, em processo de divórcio, autor de sucesso modesto, mas reconhecido, de várias obras históricas, aquarelista delicado e franco-maçom. Sem sombra de dúvida, tinha sido assassinado...
Enquanto dirigia, Mosèle recordava. Nove anos atrás, na sede da Grande Loja da França, rua de Puteaux... Ele acabara de ser iniciado juntamente com um rapaz moreno, aparência de adolescente, sorridente, olhar perpetuamente curioso e radiante por trás das lentes dos óculos que lhe davam um ar lunático, distraído e simpático. Francis Marlane, assim como Mosèle, usava um smoking. Mas dava a impressão de estar fantasiado; ele nadava dentro do casaco e a gravata borboleta estava torta. Logo depois da cerimónia de iniciação, que havia durado mais de duas horas, o Venerável Martin Hertz, que oficiava na ocasião, convidara todos os irmãos para descerem ao Círculo Escocês, a fim de participarem do banquete. Martin Hertz, um gigante com aspecto de gato gordo, já de início fez um brinde: parabéns, meus irmãos Didier e Francis, pois é assim que serão chamados de hoje em diante! Bem-vindos à Loja Eliah! Creio que vão sentir-se bem entre nós.
Um segundo irmão acrescentara, às gargalhadas: o principal é que nos sintamos bem ao lado de vocês! Mas, já que os maçons são tolerantes, então... Mosèle lembrou-se de ter sussurrado ao ouvido de Marlane: tolerância? Uma questão de tempo e de hábito. Presumo que isso se aprenda! Marlane sorrira. Timidamente. Ainda estava sob o efeito da emoção sentida durante a cerimónia. Olhava sem cessar para todos os lados, esticando o seu pescoço de passarinho para a esquerda e para a direita. Ele deixava-se impregnar pelo local, pelo rosto dos irmãos, pela atmosfera do Círculo, aquele grande espaço composto de duas amplas salas abobadadas nas quais perambulavam os garçons de túnicas brancas e onde a fumaça dos cigarros e dos charutos começava a formar uma névoa espessa. Marlane molhou os lábios na taça de champanhe. Depois, colocou o copo de na mesa e perguntou a Mosèle: então, se compreendi bem a cerimónia, o facto de termos sido iniciados juntos nos torna gémeos? Mosèle respondeu: sim... E confesso que nunca imaginei que ficaria tão emocionado e encantado com um ritual!
Sentado na frente deles, Hertz intrometeu-se na conversa, apontando-os com o garfo: isso porque não se trata de uma cerimónia comum. Essa possui as indefectíveis virtudes da Tradição. Eis o segredo!
Mosèle notara imediatamente a maneira como Hertz brincava com os interlocutores, como os dominava com as garras quase à mostra, miando com voz suave. Ele prosseguiu: não se esqueçam de que acabaram de prestar um juramento! Sob o olhar do Grande Arquitecto do Universo... E, sobretudo, sob o meu! Ainda serei o Venerável por um ano. Em seguida, quando terminar o meu mandato, ficarei à porta do Templo, como modesto porteiro da Loja, que chamamos de irmão Cobridor. Durante três anos... É assim! A maçonaria ensina a humildade aos que deixam os cargos. Mosèle não acreditou na possibilidade de Hertz se tornar, algum dia, o irmão humilde que mencionava. No olhar que trocou com aquele homem gordo, Mosèle compreendeu que Hertz não era bobo. Havia um orgulho excessivo naquela aparente bondade. Um apetite voraz nos olhos e nos lábios daquele homem... E um modo de zombar que encobria os seus verdadeiros pensamentos sob um rosário de banalidades». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.

Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT