Cortesia
de wikipedia e jdact
As
Lágrimas do Papa
«(…) O
que achávamos não ser mais do que uma hipótese de ratos de biblioteca tornou-se
uma investigação perigosa. O quimérico daquela noite, talvez um pouco regada
demais a brouilly, se transformou em pesadelo! E essa viagem vai custar a
minha vida... Estávamos longe de pensar que uma prova material voltaria do
passado para nos perturbar a ponto de comprovar de vez a hipótese demoníaca que
eu me deliciava em levantar! Como vê, meu velho amigo... meu irmão... Estou
perdendo tempo, de novo... Estou ruminando a origem da minha desgraça e não
falo sobre o que gostaria tanto de conhecer... Saber se a minha teoria
estava certa, não é? Mas o próprio facto de eu estar tão perto da morte, de
ser, em breve, eliminado por aqueles que ocultam o Segredo que existe há tantos
séculos, não é a prova de que encontrei?
Mosèle interrompeu a gravação e
esmagou o cigarro, consumido pela metade, num cinzeiro. Levantando-se da
poltrona, andou pela sala por alguns minutos e voltou até a mesa para continuar
a escutar a mensagem, cujo conteúdo sabia quase de cor: abandone a nossa busca!
Eu lhe imploro: feche todos os seus livros, queime todos eles e sopre as cinzas
ao vento! Esqueça tudo o que lhe disse. Esqueça! Desconfio que o carimbo
do correio desta última remessa vai chamar a sua atenção. Não se fie demais
nele! Fique fora dessa farsa macabra! Nova pausa e enésimo cigarro da noite.
Mosèle jurou a si mesmo que ia parar de fumar. Mais tarde... Olhou o envelope
pardo, a embalagem da cassete. A remessa fora colocada na estação de Reims,
quatro dias antes. O seu endereço realmente havia sido escrito pelo amigo
Francis Marlane, que tinha a mania incorrigível de inclinar os I maiúsculos para a direita: Senhor
Didier Mosèle, 33, avenue de la Porte-Brancion. 75015 Paris.
Mosèle continuou a
escutar: Didier, limitou-se às pesquisas livrescas e estava certo. Eu também deveria
ter-me contentado com elas e não devia ter-me atirado fisicamente numa aventura
para a qual não fui talhado. Não passámos de anões diante desse enigma,
Didier..., de crianças cegas e impotentes que devem ser destruídas para que a
Mentira perdure... Os homens não são sensatos o suficiente para saber... O
mundo viria abaixo; os valores, a moral, as leis, tudo seria varrido por uma
tempestade que mergulharia a humanidade num abismo! Suplico que destrua este
cassete depois de escutá-lo. Peço que não fale nada sobre isso com ninguém. Em
nome do nosso juramento de maçons, obedeça-me, meu irmão! Fique fora dessa
farsa macabra! Queime o envelope que foi com a fita. Pelo nosso juramento, pela
nossa iniciação, não siga o meu exemplo. De mim, guarde apenas as cartas que
todo profano, ao se tornar maçom, lê pela primeira vez na sombra do Templo...
As cartas cujo sentido real eu só compreendo agora, V.I.T.R.I.O.L..., que
resume esta frase: Visita Interiora
Terrae, Rectificandoque, Invenies Occultum Lapidem. Sobretudo,
não corrija nada, Didier! Não busque a pedra nem o irmão! Adeus, Meu Caríssimo
Irmão. Seu amigo que está perdido, Francis.
Mosèle deixou que a fita terminasse por si mesma, girando vazia e
cuspindo os últimos
ruídos de estática. Empurrada pelo vento, a chuva batia nas vidraças. Ruído
surdo do bulevar exterior. Ruído constante de fundo, do qual, às vezes, se
elevava uma sirene de polícia, um cantar de pneus... Era noite. O Outono chegava.
Uma noite comum. Mosèle tirou a fita do gravador, enfiou-a no bolso do jeans e
digitou um número de telefone no celular. Alguns instantes depois: Martin? Aqui
é Didier. Desculpe-me por incomodá-lo a essa hora. Queria falar consigo... Sim,
o mais cedo possível... É muito sério. Prefiro não dizer nada ao telefone. Por
favor, aceita receber-me? Posso chegar aí em vinte minutos.
Satisfeito, Mosèle desligou o telefone
móvel e, com o cigarro nos lábios, saiu do escritório. Na entrada, tirou, de
passagem, a capa do cabide da parede. Do lado de fora, praguejou contra a chuva
que o atingia de frente. Levantou o colarinho da capa e atravessou o pátio do
prédio em algumas passadas, desembocando na avenida da Porte-Brancion, que
servia de ligação com o bulevar periférico. O seu carro estava estacionado
perpendicularmente à calçada, do outro lado da rua. Mosèle esperou dois carros
passarem e atravessou fora da faixa de peões. Imediatamente, uma camioneta
branca, estacionada a uns dez
metros, arrancou acelerando violentamente. Mosèle virou a cabeça na direcção
dela, espantado: essa pessoa é louca. Parece que quer me...
Mal teve tempo de se jogar de
lado para não ser atingido pela camioneta que, perceptivelmente, ia para cima
dele. Choque dos joelhos no chão. Contacto com o piso encharcado. O veículo
virou na esquina da avenida, entrou no fluxo do trânsito do bulevar e desapareceu.
Mosèle levantou-se; tempo suficiente para ver dois homens dentro da camioneta.
Visão fugidia. O passageiro o havia encarado. Ínfima fracção de segundo em que
Mosèle leu a raiva nos olhos dele. Raiva de o motorista ter errado o alvo». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas
do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.
Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT