domingo, 3 de junho de 2018

O Triângulo Secreto. Didier Convard. «Mal teve tempo de se jogar de lado para não ser atingido pela camioneta que, perceptivelmente, ia para cima dele. Choque dos joelhos no chão. Contacto com o piso encharcado»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Lágrimas do Papa
«(…) O que achávamos não ser mais do que uma hipótese de ratos de biblioteca tornou-se uma investigação perigosa. O quimérico daquela noite, talvez um pouco regada demais a brouilly, se transformou em pesadelo! E essa viagem vai custar a minha vida... Estávamos longe de pensar que uma prova material voltaria do passado para nos perturbar a ponto de comprovar de vez a hipótese demoníaca que eu me deliciava em levantar! Como vê, meu velho amigo... meu irmão... Estou perdendo tempo, de novo... Estou ruminando a origem da minha desgraça e não falo sobre o que gostaria tanto de conhecer... Saber se a minha teoria estava certa, não é? Mas o próprio facto de eu estar tão perto da morte, de ser, em breve, eliminado por aqueles que ocultam o Segredo que existe há tantos séculos, não é a prova de que encontrei?
Mosèle interrompeu a gravação e esmagou o cigarro, consumido pela metade, num cinzeiro. Levantando-se da poltrona, andou pela sala por alguns minutos e voltou até a mesa para continuar a escutar a mensagem, cujo conteúdo sabia quase de cor: abandone a nossa busca! Eu lhe imploro: feche todos os seus livros, queime todos eles e sopre as cinzas ao vento! Esqueça tudo o que lhe disse. Esqueça! Desconfio que o carimbo do correio desta última remessa vai chamar a sua atenção. Não se fie demais nele! Fique fora dessa farsa macabra! Nova pausa e enésimo cigarro da noite. Mosèle jurou a si mesmo que ia parar de fumar. Mais tarde... Olhou o envelope pardo, a embalagem da cassete. A remessa fora colocada na estação de Reims, quatro dias antes. O seu endereço realmente havia sido escrito pelo amigo Francis Marlane, que tinha a mania incorrigível de inclinar os I maiúsculos para a direita: Senhor Didier Mosèle, 33, avenue de la Porte-Brancion. 75015 Paris.
Mosèle continuou a escutar: Didier, limitou-se às pesquisas livrescas e estava certo. Eu também deveria ter-me contentado com elas e não devia ter-me atirado fisicamente numa aventura para a qual não fui talhado. Não passámos de anões diante desse enigma, Didier..., de crianças cegas e impotentes que devem ser destruídas para que a Mentira perdure... Os homens não são sensatos o suficiente para saber... O mundo viria abaixo; os valores, a moral, as leis, tudo seria varrido por uma tempestade que mergulharia a humanidade num abismo! Suplico que destrua este cassete depois de escutá-lo. Peço que não fale nada sobre isso com ninguém. Em nome do nosso juramento de maçons, obedeça-me, meu irmão! Fique fora dessa farsa macabra! Queime o envelope que foi com a fita. Pelo nosso juramento, pela nossa iniciação, não siga o meu exemplo. De mim, guarde apenas as cartas que todo profano, ao se tornar maçom, lê pela primeira vez na sombra do Templo... As cartas cujo sentido real eu só compreendo agora, V.I.T.R.I.O.L..., que resume esta frase: Visita Interiora Terrae, Rectificandoque, Invenies Occultum Lapidem. Sobretudo, não corrija nada, Didier! Não busque a pedra nem o irmão! Adeus, Meu Caríssimo Irmão. Seu amigo que está perdido, Francis.
Mosèle deixou que a fita terminasse por si mesma, girando vazia e cuspindo os últimos ruídos de estática. Empurrada pelo vento, a chuva batia nas vidraças. Ruído surdo do bulevar exterior. Ruído constante de fundo, do qual, às vezes, se elevava uma sirene de polícia, um cantar de pneus... Era noite. O Outono chegava. Uma noite comum. Mosèle tirou a fita do gravador, enfiou-a no bolso do jeans e digitou um número de telefone no celular. Alguns instantes depois: Martin? Aqui é Didier. Desculpe-me por incomodá-lo a essa hora. Queria falar consigo... Sim, o mais cedo possível... É muito sério. Prefiro não dizer nada ao telefone. Por favor, aceita receber-me? Posso chegar aí em vinte minutos.
Satisfeito, Mosèle desligou o telefone móvel e, com o cigarro nos lábios, saiu do escritório. Na entrada, tirou, de passagem, a capa do cabide da parede. Do lado de fora, praguejou contra a chuva que o atingia de frente. Levantou o colarinho da capa e atravessou o pátio do prédio em algumas passadas, desembocando na avenida da Porte-Brancion, que servia de ligação com o bulevar periférico. O seu carro estava estacionado perpendicularmente à calçada, do outro lado da rua. Mosèle esperou dois carros passarem e atravessou fora da faixa de peões. Imediatamente, uma camioneta
branca, estacionada a uns dez metros, arrancou acelerando violentamente. Mosèle virou a cabeça na direcção dela, espantado: essa pessoa é louca. Parece que quer me...
Mal teve tempo de se jogar de lado para não ser atingido pela camioneta que, perceptivelmente, ia para cima dele. Choque dos joelhos no chão. Contacto com o piso encharcado. O veículo virou na esquina da avenida, entrou no fluxo do trânsito do bulevar e desapareceu. Mosèle levantou-se; tempo suficiente para ver dois homens dentro da camioneta. Visão fugidia. O passageiro o havia encarado. Ínfima fracção de segundo em que Mosèle leu a raiva nos olhos dele. Raiva de o motorista ter errado o alvo». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.

Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT