sábado, 30 de junho de 2018

A Carreira da Índia. Rui L. Godinho. «Botelho Sousa revela um profundo conhecimento dos “Livros das monções”, nos quais recolheu boa parte da informação mais interessante e reveladora do seu trabalho»

jdact

A Carreira na historiografia moderna
«(…) Saturnino Monteiro teve a sensatez de avisar logo a abrir que o seu trabalho não pretende ter um rigor científico inabalável, devendo ser considerado mais como uma obra de divulgação. Neste sentido, obtém não só uma obra plenamente conseguida como supera largamente esse sentido de divulgação e constitui-se como um reportório muito interessante e importante de informações muitas delas só acessíveis a alguém que, como o autor, estudou alguns dos meandros da história juntando-os aos seus conhecimentos enquanto marinheiro e militar. Um último lamento prende-se com a não divulgação de todo o material estatístico ligado a este tipo de trabalhos. Já na década de 1960 Frédéric Mauro defendia a necessidade e utilidade da criação de uma base de dados sobre os navios portugueses. Chegados ao século XXI não só não temos nada de semelhante (e todos pareciam já então não contar com o trabalho de Quirino Fonseca, Os portugueses no mar) como se vai eternizando a promessa da criação de algo de semelhante, mesmo que seja só para os navios da Carreira da Índia. Embora com objectivos diferentes, Botelho Sousa seguiu também um piano bastante bem conseguido para uma obra que, parece-nos, tem vindo a ser pouco valorizada. Apesar de poder ser datada politicamente isso não impede o autor de reunir urna série de informações muito interessantes sobre a Carreira e, principalmente sobre o tema central do nosso trabalho que é a torna-viagem. Botelho Sousa revela um profundo conhecimento dos Livros das monções, nos quais recolheu boa parte da informação mais interessante e reveladora do seu trabalho. Igualmente datável do ponto de vista político, mas mesmo assim muito interessante para a Carreira da Índia, é a obra de Alberto Iria em que o autor recorre à imensa documentação existente no Arquivo Histórico Ultramarino para nos fornecer alguns quadros importantes.
Estamos, no entanto, ainda longe de algo semelhante àquilo que os holandeses fizeram no que respeita à sua navegação para o Oriente, embora as condições de trabalho e as fontes de pesquisa sejam, neste caso, bastante mais acessíveis e de fácil utilização. Noutras áreas surgiram importantes estudos para a Carreira (para além dos já bem conhecidos para as escalas, vida a bordo, etc.) como o de Frédéric Mauro, fundamental para a análise do Atlântico não só para a Carreira da Índia mas também para os outros destinos da navegação portuguesa. Com um impacto directo igualmente importante em termos de Atlântico temos o estudo de José Roberto Amaral Lapa, que, apesar de sair um pouco fora do contexto tratado do nosso trabalho, é de inegável valor para a compreensão de uma escala como a Baía. Vários outros assuntos mereciam destaque mas iremos referir apenas mais três autores que nos parecem fundamentais para um trabalho como este sobre a torna-viagem. Em primeiro lugar, citamos os estudos de Joaquim Rebelo Vaz Monteiro sobre as rotas da carreira e a forma clara e precisa como apresenta os seus resultados. Em segundo lugar, e com um âmbito cronológico muito preciso, surge o trabalho de A. Disney sobre a companhia portuguesa de comércio e todo um período conturbado e de viragem para a própria Carreira. Por fim, e alargando de novo o espaço temporal, surge o trabalho de James Boyajian que incorpora novos elementos de análise económica, misturando-os com a realidade naval da carreira para atingir uma súmula de informações significativa para a compreensão dos seus mecanismos». In Rui Landeiro Godinho, Aspectos e Problemas da Torna-Viagem (1550-1649), Fundação Oriente, Orientalia, 2005, ISBN 972-785-058-8.

Cortesia da FOriente/JDACT