As
Lágrimas do Papa
«(…) Dou-me
por vencido. Mas vamos voltar ao seu trabalho actual. Falou da Fundação;
trata-se da Fundação Meyer, não é? Isso mesmo. Uma fábrica imensa financiada
por um enorme número de subvenções: a Unesco, o Ministério da Cultura, dois ou
três grupos privados... Confesso que não me preocupo muito em saber de onde vem
o dinheiro. Afinal, disponho de um orçamento considerável, que me possibilitou
o luxo de ter os melhores profissionais de informática do mundo para me
preparar um supercomputador. Esse computador parte de alguns fragmentos de
velino cobertos de letras em tinta empalidecida pelos séculos e me ajuda a completar
os espaços vazios do quebra-cabeça, escolhendo a solução certa entre milhões de
possibilidades. A minha equipa e eu baptizamos essa máquina de Largehead. Mas o seu trabalho, Didier... Um
minucioso trabalho de paciência, prosseguiu Mosèle, que se encaixará na cadeia
de estudos iniciados pelo padre Benoit, pelo professor John Strugnelle, pelo
dominicano Roland Vaux, pelo doutor Stafford e por muitos outros pesquisadores,
famosos ou anónimos, que consagraram as suas vidas a reconstituir, peça por peça,
quilómetros de rolos rasgados, manchados, ou com anotações feitas por
tradutores pouco respeitosos! Se quiser, há lugar para você no meu staff,
Francis.
Está brincando, Didier? Está propondo
que faça parte da sua equipa? Sou o chefe da unidade de pesquisa, posso
contratar quem eu quiser para me ajudar no trabalho, desde que a pessoa em
questão tenha a competência necessária. Aceito imediatamente! Assino com o meu
sangue qualquer contrato agora mesmo!, exclamou Marlane, quase gritando. Hertz,
então, virou-se impetuosamente para os dois novos irmãos e disse: isso se chama
pacto! Como veem, a franco-maçonaria também destila os seus pequenos milagres.
Ela os uniu esta noite... Leu as nossas fichas, Martin, observou Mosèle.
Portanto, não finja surpresa. Já suspeitava de que algum dia tocaríamos nesse
assunto. Conhece as nossas respectivas profissões e os nossos centros de
interesse. Não vejo nenhum milagre nisso. Naturalmente, admitiu Martin Hertz. No
entanto, algum de vós podia não ter sido aceito por esta Loja. E, assim, essa
conversa jamais ocorreria. Concordo, reconheceu Mosèle. Mas isso não impede que
eu não aprecie muito o termo milagre.
Hertz deu um sorriso sagaz e
balançou a grande cabeça, apertando os olhos. E disse: porventura, prefere a
palavra acaso? Por acaso, sim... Prefiro!, opinou Mosèle. Martin Hertz preparava-se para retomar a palavra com uma
expressão de cobiça, quando, subitamente, o seu olhar se entristeceu, como se
houvesse sido tomado por uma violenta tristeza. De repente, pareceu muito
envelhecido aos olhos de Mosèle. Como Hertz ficara em silêncio, Mosèle virou-se
para Marlane e perguntou: sexta-feira? Está bem? Espero-o na sexta-feira por
volta das 10 horas, na Fundação Meyer, na praça d'Alleray. Eu lhe farei um esboço
do meu trabalho, apresentarei a minha equipa... e Largehead. Vai ficar espantado, Francis. Sem ele, os
4Q456-458 continuariam a ser enigmáticos pedaços de velino, rabiscados e mudos.
Ele passou a ser um verdadeiro colega para nós... Nesse caso, estou ansioso
para conhecê-lo, disse Marlane, entusiasmado.
Tudo havia sido decidido naquela
noite. Mosèle acabara de condenar Francis Marlane à morte, ao propor que
participasse dos seus trabalhos. Por volta da meia-noite, os irmãos da Loja
Eliah deixaram o Círculo Escocês em pequenos grupos. Mosèle tinha estacionado o
carro no bulevar dos Batignolles, e andou um pouco na companhia de Marlane e de
Hertz. Este último havia recuperado o bom humor de fachada e monopolizara a
conversa, parecendo não se importar com a chuva que lhe escorria pela careca. Verão,
disse ele. Com o tempo, a iniciação lhes abrirá diversas vias de introspecção.
Esta noite nunca terá um fim para vocês. Eu fui iniciado há trinta e dois anos.
Parece ontem! — Acho que compreendo..., observou Mosèle. Hertz despediu-se dos
dois irmãos com três beijos. Parei o carro no estacionamento.
Afastou-se. Mosèle e Marlane olharam-no
por um instante. Ele andava com surpreendente leveza, apesar do peso. Acho que
ele é advogado, disse Marlane. Já o conhecia antes? Tive de vê-lo duas vezes...
Isso mesmo. O meu padrinho me apresentou a ele no ano passado e almoçamos juntos
em Junho. Ele o espremeu, como fez comigo?, perguntou Mosèle. Por mais de três
horas! Tudo foi falado: a minha vida, as leituras, o lazer... Tudo! Esse homem
possui o dom de soltar a língua das pessoas. A propósito, é casado, Didier? Não.
Digamos que fiz algumas tentativas infrutíferas. E você? Ela chama-se Emylie. Conversaram
por mais alguns minutos; depois se separaram mencionando o próximo encontro.
Beijaram-se. Parecera natural. Três vezes... Três beijos rituais de
fraternidade». In Didier Convard, O Triângulo
Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN
978-852-861-550-0.
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