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Com
a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães.
[(Assumimos como premissa,
referida ao conceito de modernização, que a Revista de Portugal foi criada não só como um espaço
de recepção de ideias novas que na época circulavam nos grandes centros
culturais da Europa, dentre as quais se destacava Paris, mas também como veículo
de divulgação dessas ideias, uma vez que tanto em Portugal como no Brasil a
elite intelectual, constituída essencialmente por letrados que frequentavam e
admiravam a vida civilizada europeia, estava convencida de que o
desenvolvimento mental e emocional em seus países, naquele momento, dependia da
recepção, em Português, de ideias concebidas em língua estrangeira, e não
apenas de causas imanentes à cultura nacional)].
Introdução
«É
indiscutível a existência de uma relação literária luso-brasileira. Ela é
frequentemente evocada em Portugal a propósito da vida e da obra de vários
autores. Exemplo famoso e antigo é o do Padre António Vieira, pois, tendo
nascido em Portugal, chegou a referir-se, em carta de 1673, ao Brasil, a
quem pelo segundo nascimento devo as obrigações de pátria (Vieira, 1854, t.
II, carta LXXIV, p. 103). Muito provavelmente, seu reconhecimento tem a ver com
o facto de que a sua formação deu-se inteiramente nas instituições de ensino do
Brasil, onde revelou-se o seu espírito criador; seus sermões, principalmente,
tornaram-se a fonte de referência dos princípios e valores vigentes na vida
literária tanto da metrópole portuguesa quanto da colónia brasileira. Mais recentemente,
temos o exemplo do pensador português Agostinho da Silva. Ele formou-se em filologia
e pedagogia na universidade do Porto, e depois aperfeiçoou-se na universidade
de Paris; mas sempre reconheceu que só alcançou sua consciência do ser
português a trabalhar e vivenciar intensamente a modernização do magistério
superior no Brasil, sobretudo comparticipando na fundação de universidades,
pois em sua dedicação à formação do homem moderno no Brasil, no período de
1947-1969, descobriu que pelo seu passado, e pelas aspirações de grandeza, o
brasileiro é um português à solta (Silva, 1988, p. 36). Todavia, não
obstante tais exemplos preciosos no âmbito religioso e pedagógico, para o nosso
interesse actual o exemplo mais completo é o de Eça de Queirós, não só porque
suas personagens ainda hoje habitam simultaneamente o imaginário do leitor
português e do leitor brasileiro, como também, para além disso, foi ele quem
melhor definiu o sentido da relação literária luso-brasileira segundo o seu conceito
da língua portuguesa como natureza comum, indiferente à separação entre Estados
independentes, ao entender que na língua verdadeiramente está a
nacionalidade (e que) duas nações que põem a sua Ideia no mesmo Verbo formam
para os supremos efeitos da civilização uma nação única (Queirós, 1995, p.
114).
Muitos
estudos têm sido realizados sobre a relação de Eça de Queirós com o Brasil,
como por exemplo O Brasil na vida
de Eça de Queirós, de Heitor Lira (1965), Eça e o Brasil, de Arnaldo Faro (1977), Eça de Queiroz agitador no Brasil,
de Paulo Cavalcanti ou Ecos do
Brasil. Eça de Queirós. Leituras brasileiras e portuguesas, colectânea
organizada por Benjamim Abdala Júnior (2000). O facto é que, para efeito de
investigação, algumas questões podem ser suscitadas: existe uma relação
especial de reciprocidade literária entre Portugal e o Brasil? Sendo a resposta
afirmativa, em que medida a transmissão cultural inerente ao empreendimento
colonial português, implementada desde o século XVI até à reforma pombalina do
ensino público, no século XVIII, ainda hoje é válida para considerarmos o
futuro da relação literária luso-brasileira segundo o princípio da
reciprocidade? Como explicar, no caso de Eça de Queirós, para além do seu êxito
universal como ficcionista-mor da língua portuguesa, que seus textos
jornalísticos, ao tratarem de problemas da cultura nacional, chegassem a
conquistar leitores fiéis no outro lado do Atlântico, uma vez que naquela
altura se encontravam distanciadas entre si as duas nações também pela emancipação
política do Brasil?» In Adriana Mello Guimarães, A Modernização,
Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa
(1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de
Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.
Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT