Com
a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães.
Introdução
«(…) Assim sendo, entendemos por
modernização o processo de recepção, assimilação e institucionalização de
certas ideias básicas que permanecem e determinam as outras manifestações
culturais como próprias da modernidade. Mesmo que essas ideias não sejam encontradas
em fórmulas precisas, como numa doutrina, elas exprimem uma maneira de pensar
as relações do homem com o mundo, uma preferência por certos valores e um
estilo geral de raciocinar, implícito em diferentes doutrinas. Não se trata de
um sistema de pensamento, senão de uma mentalidade. E nos parece caber
ressaltar que este modo do ser moderno assente na mudança coexiste
necessariamente com a maneira antiga de pensar, com a qual frequentemente entra
em conflito (nesse contexto, devemos recordar Adriano Duarte Rodrigues: tradição
e modernidade são (…) categorias e representações relativas da experiência, não
podendo ser definidas independentemente uma da outra. Ou seja, mais uma vez,
assistimos a uma espécie de contaminação, de cruzamento de conceitos e de
permanência). Segundo Habermas, à medida que a modernização se foi
automatizando, os princípios da modernidade, que estão na sua origem, se
esvaíram. Nesta perspectiva, Berman, em Tudo o que é sólido desmancha no ar, considera a modernidade
como uma condição, um estado, e a modernização como um processo, um estado de
vir a ser (1986, p. 10). No moderno, Habermas vê pois, antes de mais, uma
consciência de ruptura e a actualidade é o momento privilegiado da realização
do moderno.
Enfim, a tentativa de compreender
e explicar os principais contornos da modernidade foi trabalhada por vários
teóricos, em diferentes domínios. No entanto, é impossível não reconhecer a existência
de um campo de pensamento comum: a noção da modernidade significou a emergência
de novos valores, atitudes, de modos de vivência do tempo, do espaço, da
organização da vida política e moral, do surgimento de novas instituições e de
uma nova forma de assimilação do espírito científico.
A modernização em língua portuguesa
Este
fervilhar de ideias novas toca também Portugal, ainda que de forma muito
especial. Mas como é que esta vaga de modernização chegou a Portugal e, por
extensão, ao Brasil? Antes de mais, cabe assinalar a relação de reciprocidade
única e exclusiva entre as culturas portuguesa e brasileira, a partir de uma
tradição filosófica comum, o aristotelismo conimbricense [(esse aristotelismo
conimbricense consiste não só no propósito de fidelidade a Aristóteles mas
também se afirma contra a doutrina de Lutero assumida pelos teólogos da
Reforma, no propósito de conciliar a teologia tomista e a exigência humanística
do livre-arbítrio da vontade humana (Cerqueira, 2002, cap. 1)]. Em Portugal, o
conflito ideológico entre antigos e modernos decorreu entre o século XVII até
as reformas pombalinas do século XVIII. Ora, a recusa portuguesa da ideia de modernização
assume características quer de ordem socioeconómica, quer de carácter mental,
quer de natureza cultural. Afinal, no século XVII, enquanto a filosofia
prolongava uma temática e uma metodologia ainda escolástica, a ciência estava
praticamente ausente das preocupações da inteligência portuguesa de então
(Serrão, 1989, p. 27). Sublinhe-se um argumento utilizado para afirmar que, em
Portugal, antes da reforma pombalina, se vivia um ambiente de inércia
científica: tudo se devia ao facto de as obras de Galileu, Descartes, Newton e
outros se encontrarem oficialmente (a meio do século XVIII) interditas ao
ensino. Assim, assumindo um absolutismo que pretende iluminado pela
clarividência da razão, o monarca José I delega em Sebastião José Carvalho Melo
(recorde-se que João V morreu em 1750 e o seu sucessor, José I (1750-1777),
formou o novo governo. Para a secretaria dos Estrangeiros e Guerra e para a aritmética
política, escolheu Sebastião José Carvalho Melo, que já passava dos cinquenta
anos, e regressara da corte austríaca, onde desempenhara uma apagada representação
diplomática. Antes disto, fora durante vários anos representante português em
Inglaterra. Era formado em Direito por Coimbra e estava ligado aos meios
literários, visto que foi sócio da Academia Portuguesa de História, onde
prestou uma curta colaboração. Era um homem mal aceite pela nobreza antiga. Ele
era fidalgo de cepa provinciana, de uma família onde predominavam magistrados e
que ganhara o dinheiro para construir em Lisboa um palácio (na actual rua do
Século) onde o estadista nasceu. Depressa Sebastião Carvalho Melo dominou
outros ministérios. Em 1759, o rei promoveu-o à alta nobreza, com o título de
conde de Oeiras. Posteriormente (1770) foi nomeado marquês de Pombal. A figura
do marquês de Pombal é uma das mais controvertidas da história portuguesa.
Foi-o ainda em sua vida. Na base desta polémica estão as antinomias
fundamentais que se estabelecem entre tradição e inovação e entre tirania e
liberdade. Quando o rei José I morreu e a rainha dona Maria I subiu ao trono, em
1777, o marquês foi afastado do seu trabalho na corte), futuro marquês de
Pombal, toda a autoridade necessária à modernização do país». )». In
Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro,
Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em
Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de
2014.
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