O Algarismo e o Número
«(…)
Numa manhã de princípios de Junho, debaixo
de um sol ardente e amarelo divisaram o vale do Sena e, no coração da extensa
planura, abraçada ao rio como uma amante adormecida, apareceu o casario
cinzento e ocre da cidade de Paris. Cinco soldados tinham-se adiantado uma
jornada para mostrar o documento enrolado em que ei rei Fernando de Castela nomeava
o portador do salvo-conduto, Maurício, bispo de Burgos, embaixador real e lhe
outorgava a sua representação em toda a terra de fiéis e infiéis. Senhor bispo,
avisámos o preboste de Paris da vossa iminente chegada; mostrou-se muito amável
e recomendou-nos que nos alojássemos nas dependências de um convento que uns
monges italianos estão a construir nos arredores da cidade. Haveis falado com o
senhor bispo? Fornos ao seu palácio, que está situado numa ilha no meio do rio,
mas aí disseram-nos que está fora, visitando alguns lugares da diocese, mas
regressará em breve. Pois façamos caso do preboste e vamos instalar-nos onde nos
aconselhou.
Quando deixaram as bagagens em segurança,
foram visitar a catedral de Notre-Dame. O templo, em pleno coração da ilha de
la Cité, estava muito avançado. O plano da obra era grandioso; cinco naves
escalonadas em altura estendiam-se ao largo de quatrocentos pés de comprimento,
com um cruzeiro só detectado no alçado, não na planta. Quando cá estive a
estudar, há dez anos, a nave ainda estava a céu aberto, pois faltava colocar
quase todo o telhado. Mas agora, Santo Deus! É extraordinário. Fixai-vos nessas
abóbadas, nas tribunas, nos janelões, observai a luz, que inunda tudo..., a luz,
a luz...
O bispo Maurício contemplava extasiado a
grande igreja Catedral de Notre-Dame, tão grande que poderia conter dentro dela
três catedrais como a de Burgos. O bispo Maurício vivera em Paris alguns anos
antes. Nesta cidade, destino de quantos eclesiásticos quisessem tudo o que o
mundo era capaz de ensinar até então, estudara com o seu amigo e companheiro
Rodrigo Ximenes Rada. Quando este foi nomeado arcebispo de Toledo, em 1209,
Maurício regressou a Castela, pois Rodrigo chamou-o para seu lado, como
arcediago. Quatro anos depois e devido ao seu prestígio, foi nomeado bispo de
Burgos, sem que ainda tivesse cumprido os trinta anos.
Durante vários dias, e enquanto o bispo
parisiense não regressava da visita pastoral pela diocese e o recebia no seu
palácio, Maurício interessou-se por todos os aspectos relacionados com a
construção da catedral de Notre-Dame. Preocupavam-no o custo da obra, o tempo
de execução, a maneira de realizar as abóbadas, a quantidade de operários
necessários para semelhante trabalho e a maneira de coordenar todos eles. Todos
os dias se deslocava até à catedral, onde uma equipa de escultores estava a
começar a lavrar as esculturas da fachada principal, que no seu estado final
disporia de duas enormes torres demarcando um grandioso pórtico no qual as
cinco naves se manifestavam para o exterior em cinco portas.
Temos que ir a
Chartres. Não fica muito longe, apenas a dois dias de caminho para oeste.
Quando cá estive não visitei essa cidade, mas toda a gente falava da catedral
que ali estava a ser construída. Um dos oficiais desta obra aconselhou-me a
visitá-la. O bispo Maurício e o abade de Arlanza partiram para Chartres com uma
pequena escolta de quatro soldados comandados pelo prior do Hospital. O resto
da comitiva castelhana ficou em Paris, aguardando o regresso do bispo, enquanto
o abade de Rio Seco viajava para a Alemanha para preparar o encontro com a
princesa Beatriz». In José Luís Corral, O Número de Deus, 2004,
O Segredo das Catedrais Góticas, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN
972-731-185-7.
Cortesia de Planeta Editora/JDACT