Com
a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães.
Introdução
«(…) Para uma resposta
satisfatória a estas questões no seu conjunto, acreditamos que, além da língua
nacional como pressuposto na formação tanto do espírito português quanto do
espírito brasileiro, devemos assumir como premissa de nossa investigação a
consciência da necessidade de modernização
da própria cultura, vivenciada em muitos momentos na obra de Eça de Queirós,
como um problema de política pública nacional; na verdade, não é difícil
verificar um certo consenso entre os autores portugueses e brasileiros, no
final do século XIX, quanto ao facto de que não se considerava um prejuízo,
antes equivalia a uma vantagem, que a fonte para nutrir as próprias ideias
fosse extranacional. Embora seja complexa a ideia de modernização cultural como
um problema de política pública, estamos convencidos de que a nossa
investigação não sofrerá prejuízo de rigor quanto aos nossos interesses
literários, pois a nossa investigação gira em torno da Revista de Portugal, famoso periódico concebido e dirigido
por Eça de Queirós. A Revista de
Portugal tem despertado longamente um variado interesse de
estudiosos em Portugal e no Brasil, mas, em nosso entendimento, ainda não foi
estudada segundo a sua concepção literária então inovadora, e poderíamos dizer
heurística, do espírito luso-brasileiro na perspectiva do futuro, e não do
passado, como ainda hoje geralmente se concebe.
São poucos os estudos publicados
sobre o significado da Revista de
Portugal neste domínio da relação literária luso-brasileira, e
por isso mesmo cabe aqui registar Eça
de Queirós e a Revista de Portugal (Lisboa, 1953) de Miranda
de Andrade. Contudo, a verdade é que está por fazer uma investigação global das
condições de difusão e recepção da Revista
de Portugal, especialmente depois de ter surgido, no âmbito da reedição
das obras de Eça de Queirós coordenada por Carlos Reis, a publicação dos Textos
de imprensa VI (da Revista de Portugal), em edição crítica, com
um estudo introdutório de Maria Helena Santana. O nosso pressuposto é o de que
parece evidente a sintonia de Eça de Queirós com a elite literária brasileira
de sua época, constituída por aqueles escritores que, como Eduardo Prado, Domício
da Gama e Oliveira Lima, podemos considerar aliados pela vivência internacional,
e com os quais o director da Revista
de Portugal partilhou uma mesma consciência da necessidade de
modernização da cultura de língua portuguesa. O indicativo mais próximo dessa
evidência se encontra no programa de lançamento da Revista de Portugal, onde, além de afirmar que sendo portuguesa,
é também implicitamente brasileira (Queirós, 1995, p. 114), Eça de Queirós reconhece
ser necessário manter viva a comunicação com a Ciência e o Pensamento das
nações estrangeiras, tão importante para quem, como nós, é deles profundamente
tributário (Queirós, 1995, p. 111).
Trata-se,
portanto, de um periódico que deixou uma marca na história da cultura de língua
portuguesa, não só pelo seu manifesto carácter luso-brasileiro, como também
pela sua preocupação com o progresso científico e literário, a exemplo de, pelo
menos, dois periódicos anteriores: O
Patriota, Jornal Literário, Político, Mercantil, &c. (Rio
de Janeiro, 1813-1814), cujo editor era o brasileiro Manuel Ferreira de Araújo
Guimarães, coordenador de um grupo de letrados luso-brasileiros no qual
destacamos o nome de Silvestre Pinheiro Ferreira; e a Revista Contemporânea de Portugal e Brasil
(Lisboa, 1859-1865), a qual, além de publicar um Machado de Assis, também
manifestou-se em prol do ensino da moderna ciência. Esta maneira de situar o
aparecimento da Revista de Portugal
nos parece válida porque hoje tornou-se evidente a preocupação com a
necessidade de modernização no âmbito da cultura de língua portuguesa,
manifestada em Portugal desde o século XVIII, pela atitude dos estrangeirados,
que buscavam no exterior o contacto com a efervescente criação humana». In Adriana
Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo
em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura,
Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.
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