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A
Mulher que Amou Jesus
«(…) E daí, qual o interesse do
lagarto? Na verdade, ela nunca achara lagartos interessantes, embora também
nunca os tivesse olhado com atenção, mexiam-se muito rapidamente. Não acha os
lagartos fascinantes?, perguntou ele. E parecia sério. A pele deles é tão
esquisita, tão áspera. E a maneira como mexem as pernas, tão diferente da de
outros animais de quatro patas. Eles mexem uma de cada vez, e não duas de cada
vez. Quando Deus os criou, deveria estar querendo provar que há muitas formas
de locomoção e muitas formas de se mover com rapidez. E as cobras?, perguntou
ela. Não entendo nem como conseguem mover-se, e menos ainda com a rapidez que o
fazem, sem pernas. É verdade, as cobras são um exemplo ainda melhor.
Inteligentemente, Deus ensinou-as a moverem-se e viverem bem apesar do que não
têm. E também não as podemos comer, disse Maria. Será que Deus queria
protegê-las ou a nós? Agora estamos realmente observando o Sabá, disse
Jesus, repentinamente. E isso é um prazer, exactamente como deveria ser. Ele
dizia umas coisas estranhas. Mas ela gostava muito dele. Às vezes, as pessoas
que diziam coisas estranhas assustavam, pareciam perigosas, ou meio malucas e
imprevisíveis. Mas este rapaz parecia o contrário: extremamente sensível e digno
de total confiança. Por isso, pareceu-lhe correcto confessar: não compreendi o
que quis dizer. Ele deu um suspiro de prazer. É porque estamos pensando em
Deus, no trabalho de suas mãos, meditando, digamos assim, sobre isso.
Meditando sobre um lagarto?, perguntou,
sem conseguir evitar uma risada. Não é uma criação de Deus inferior a uma águia
ou a um leão, disse ele. E talvez até seja mais reveladora do seu génio.
Será que deveríamos passar o ano meditando, a cada dia sobre uma criatura
diferente?, perguntou ela. A ideia parecia-lhe curiosa. Perfeitamente,
disse ele. Lembre-se do Salmo que diz:
Louvai ao Senhor da terra,
monstros marinhos e abismos
todos;
fogo e saraiva, neve e vapor
e ventos procelosos que lhe
executam
a palavra;
montes e todos os outeiros,
árvores frutíferas e todos os
cedros;
feras e gados,
répteis
e voláteis...
Ela não se lembrava desse Salmo,
mas agora não o esqueceria. Virando-se, séria, para o lagarto, ordenou-lhe: peça a bênção a Deus! Ele deu um pulo
e sumiu para dentro da fenda da árvore. Jesus riu. Faltava pouco, muito pouco,
parecia, para o sol tocar o horizonte, decretando o fim do Sabá. De pé, olharam
o pôr-do-sol e ouviram a trombeta que anunciava o fim da pausa sagrada.
Apesar de Maria ter garantido que
visitar outras famílias era uma maneira excelente de observar o Sabá, e de seu
filho, Jesus, ter procurado a família da pequena Maria para lhes comunicar onde
ela se encontrava, seus pais estavam aborrecidos quando ela voltou. O que tem
na cabeça, para sair por aí desse jeito?, disse-lhe sua mãe, rispidamente. Acabou
tendo de passar o Sabá com uma família de estranhos! E encarando Maria,
acrescentou: aquele rapaz que nos veio procurar, não gostei dele. Jesus?, perguntou
Maria. Percebe-se que não foi bem-educado. Nem sabe ser respeitoso. Não é o
tipo de gente com quem deveria se meter. Mas então, porque me deixou ficar?, perguntou
Maria, baixinho». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de
Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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