sexta-feira, 6 de julho de 2018

Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892). Adriana Mello Guimarães. «… contradições e linhas de força próprias: é simultaneamente conservadora e inovadora, formalista e moderna, obscurantista e racionalista»

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Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães.

Introdução
«(…) Através dessa procura e ampliação de fronteiras foi possível robustecer a própria vida moral e intelectual, sendo de assinalar que tal preocupação ganhou intensidade e profundidade no último quartel do século XIX nos dois lados do Atlântico, simultaneamente. Apresentamos assim as duas vertentes de pensamento, intrínsecas à concepção da Revista de Portugal, que delimitam os objectivos da nossa investigação: a primeira, a de que a Revista de Portugal nasce, ao final do século XIX, fundada na consciência que a elite literária luso-brasileira, constituída essencialmente por escritores portugueses e brasileiros aliados entre si pela vivência internacional, tem de si mesma, dentro das condições e dos limites da cultura de língua portuguesa, percepcionada como historicamente desfasada em relação aos grandes centros europeus; e a segunda, como consequência da primeira, mas até certo ponto surpreendente, a de que a Revista de Portugal, sendo portuguesa, se propõe uma solidariedade irrestrita com o espírito brasileiro, então extraordinariamente empenhado na modernização cultural de um povo recém-emancipado da tutela colonial portuguesa, nada do que o Brasil faz, pensa, diz e produz nos pode ser alheio ou indiferente (Queirós 1995, p.115).
Nesse contexto, a Revista de Portugal se destaca, e merece a nossa atenção, especialmente por se apresentar como um veículo de ideias em prol da modernização de sociedades que historicamente se terão tornado reféns do tradicionalismo. No quadro peculiar dessa exigência de modernização, temos como objectivo mais amplo investigar as condições em que a Revista de Portugal se propõe a recepção e a divulgação de uma nova intuição literária; e, como objectivo específico, investigar o carácter modernizador da Revista de Portugal enquanto um empreendimento destinado ao exame da sociedade por meio das obras que nela se formam, dos homens que nela destacam, dos factos que nela dominam, dos problemas que nela pesam, das tendências que nela se agitam (Queirós, 1995, p.109), conforme o enunciado do Programa que anuncia a Revista. Quanto ao objectivo geral, nos propomos esclarecer, no primeiro capítulo, em que sentido os letrados da língua portuguesa descobrem nas línguas estrangeiras o melhor caminho para renovar suas ideias, e passam a considerar uma vantagem a fonte extranacional, relativamente à qual podemos então verificar um processo histórico de modernização cultural comum a Portugal e ao Brasil. Tal processo histórico, que envolve o estrangeirado em Portugal, se torna consciente no Brasil com frei Francisco do Monte Alverne, cujo depoimento ilustra o papel de mediação exercido pela língua francesa entre as jovens nações e as demais culturas vigentes:

A instrução pública nessa época era muito circunscrita. A metrópole não queria homens sábios nas suas colónias: era à custa de esforços inauditos, que os brasileiros podiam distinguir-se. Restava um meio fácil de promover o nosso adiantamento, o estudo da língua francesa. (Monte Alverne, 1852)

Além disso, nos propomos avaliar, também no primeiro capítulo, no contexto da Revista de Portugal, a pertinência da ideia de modernização relativamente a importantes transformações e situações históricas que mobilizaram os literatos em Portugal e no Brasil. Desse ponto de vista, pretendemos também desenvolver, no segundo e no terceiro capítulos, uma reflexão sobre as temáticas abordadas na Revista e avaliar o papel dos diversos colaboradores, na pluralidade das suas vozes, no dinamismo cultural oitocentista. O que nos interessa nesta abordagem é investigar, de forma global, qual foi o papel desempenhado pela Revista de Portugal no contexto da formação de uma nova sensibilidade luso-brasileira, e enquanto agente da modernidade e do cosmopolitismo. Paralela e complementarmente, o segundo capítulo ambiciona reconhecer que Eça, ao escrever para o Brasil, acaba por veicular também a imagem de si próprio: um autor lusófono, que sempre utilizou a língua portuguesa como agenciadora da sua mundividência para comunicar as inquietações e sublimações do seu espírito: mas, sempre e antes de tudo, um homem europeu e civilizado. Procuraremos, ainda, no quarto capítulo, a partir do exame dos principais jornais e revistas da época e dos dois lados do Atlântico aferir quais as publicações que partilhavam a mesma esfera de renovação de ideias com a Revista de Portugal.

A Ideia de modernização e a Revista de Portugal
A razão que afronta a tradição
Com efeito, nesta saudade de Fradique pelo Portugal antigo, havia amor do pitoresco, estranho num homem tão subjectivo e intelectual: mas sobretudo havia o ódio a esta universal modernização que reduz todos os costumes, crenças, ideias, gostos, modos, os mais ingénitos e mais originalmente próprios, a um tipo uniforme (representado pelo sujeito utilitário e sério de sobrecasaca preta) com a monotonia com que o chinês apara todas as árvores de um jardim, até lhes dar a forma única e dogmática de pirâmide ou de vaso sanitário. (Queirós, 1880, p. 542)
A epígrafe, retirada da própria Revista de Portugal (1880, p. 542) e que posteriormente foi publicada na obra A Correspondência de Fradique Mendes (2014, p. 162), sintetiza o que pretendemos esclarecer: o conceito da modernização envolve uma relação tensional e ambígua entre uma tradição cultural estabelecida ao longo de séculos, cujos costumes, crenças, gostos e modos como que se naturalizam no homem por força do mecanismo de sua própria regularidade, e a condicionalidade histórica que pode levar esse mesmo homem a sentir, pensar e emocionar-se de maneira diferente, em função da liberdade que ele pode experimentar ao corrigir-se e aperfeiçoar-se tanto do ponto de vista intelectual quanto moral. A epígrafe é ambígua tal como a própria ideia de modernização: evoca saudade pelo passado ao mesmo tempo que revela a uniformização dos costumes; e simultaneamente faz equivaler a tradição (do chinês) à modernização do sujeito de sobrecasaca preta. Ou seja, a epígrafe, no nosso entender, assinala contradições e linhas de força próprias: é simultaneamente conservadora e inovadora, formalista e moderna, obscurantista e racionalista». In Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.

Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT