domingo, 17 de junho de 2018

O Triângulo Secreto. Didier Convard. «Na época, eu considerava as façanhas de Jesus uma grande e magnífica epopeia. Seis horas de catecismo por semana!»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Lágrimas do Papa
«(…) A refeição havia sido animada, calorosa e ruidosa. O vinho deixara alguns espíritos exaltados. As vozes elevavam-se. Por vezes, irrompiam algumas risadas. Sobretudo as de um irmão gordinho, de faces rosadas, um tabelião que não cessava de fazer brindes. Descobrindo vários pontos em comum, Francis Marlane e Didier Mosèle entrincheiraram-se numa conversa particular, apesar do burburinho da sala. Vinte minutos depois, Marlane exclamou: os rolos do mar Morto? Está trabalhando neles? Achei que era especialista em manuscritos medievais e outros palimpsestos! Nem todos são rolos de cobre. Em Khirbet Qumran também foram encontrados pergaminhos... Alguns com três quartos roídos pelos ratos, que neles afiaram os dentes! Metros e metros de manuscritos que prefiguram os Evangelhos, respondeu Mosèle. E o seu trabalho, nesse caso? A Fundação na qual trabalho, sob a tutela da Escola Bíblica de Jerusalém, me encarregou da restauração de dois rolos numerados, 4Q456-458, explicou Mosèle. Datados pelo geneticista Henri Squaller da universidade Rockefeller, esses pergaminhos teriam sido redigidos algumas dezenas de anos depois da morte presumida do Cristo; não podemos ter cem por cento de certeza da data exacta. Eles foram descobertos no famoso sítio do mar Morto e, inegavelmente, despertam um interesse inédito. Estão incluídos na longa sequência de decodificação desse tesouro enigmático, iniciada em 1947, quando Qumran ainda estava sob jurisdição palestina.
É como se me falasse do Graal, Didier! É muito sonhador, Francis... Eles não passam de longas litanias religiosas ou de códices severos, redigidos pelos austeros essénios no famoso mosteiro de Qumran. Abandonei por um tempo os trabalhos que fazia na restauração de um magnífico livro de salmos do século XIV, para me dedicar a essa tarefa. E não me arrependo! Hertz dava a impressão de se interessar por uma discussão entre alguns irmãos iniciada à sua direita, a respeito das últimas decisões do Convento. Na realidade, acompanhava a conversa entre Mosèle e Marlane, absorvendo cada palavra. Se estiver interessado, propôs Mosèle, eu o convido a visitar o meu departamento esta semana. Li os seus livros; talvez pudesse dar-me uma ajuda. O aval de um especialista nas Sagradas Escrituras, vai alegrar os meus directores. É mesmo verdade? Leu os meus livros? Li, sim. Não concordo necessariamente com todas as suas teorias, mas senti um grande prazer em estudá-las. Algumas das suas interpretações rodaram por toda a Fundação e, aliás, você tem alguns admiradores por lá.
Quanto a mim, não compartilho das suas hipóteses... Elas exalam um odor de enxofre que, em outros tempos, o teriam mandado directo para a fogueira. Marlane enrubesceu e ergueu-se na cadeira para reagir, enumerando as palavras: não são hipóteses! São certezas... Estou dizendo: certezas! Em seguida, depois de um longo momento de reflexão, ele acrescentou: Jesus não era esse carpinteiro pobre que representam, barbudo, louro e de pele branca! Acha realmente que o Filho de Deus poderia parecer-se com um vulgar actor californiano de filmes de TV? Jesus tinha a pele morena, cabelos castanhos, e nasceu numa família relativamente rica! Ah, é claro, com isso, o símbolo vai por água abaixo, não é?
Surpreso de que um homem com a inteligência de Marlane, que acreditava num Deus revelado, pudesse fazer tais afirmações, Mosèle continuou a provocá-lo durante toda a ceia. Divertia-se quando Marlane se exaltava, tentando demonstrar a legitimidade das suas teorias a respeito da família, dos filhos, do irmão do Cristo... Marlane havia sido um cristão fervoroso antes de entrar para a franco-maçonaria. Quanto a mim, disse Mosèle, também posso vangloriar-me de possuir um bom conhecimento dos Evangelhos, o que devo aos óptimos padres de uma escola particular de Amiens, na qual passei a minha adolescência. João, Lucas, Mateus e Marcos me distraíram muito e permitiram que eu me evadisse através da imaginação. Na época, eu considerava as façanhas de Jesus uma grande e magnífica epopeia. Seis horas de catecismo por semana! Preciso dizer mais, Francis?» In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.

Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT