«(…) Ainda assim, saí em busca do meu irmão, encontrando-o no mercado com os amigos. As mulheres desacompanhadas não eram vistas com frequência entre os homens que se dirigiam àquelas passagens estreitas; as que não tinham escolha a não ser sair desacompanhadas dirigiam-se às pressas à rua dos Padeiros ou às barracas que ofereciam cerâmica e jarros feitos do barro de Jerusalém, e depois, rapidamente, corriam de volta para casa. Eu usava um véu e a minha túnica estava apertada com força. Havia zonnoth no mercado, mulheres que se vendiam para o prazer dos homens, que não cobriam os braços ou o cabelo. Uma delas zombou de mim enquanto passava apressada, o rosto soturno abrindo-se num sorriso quando me viu correndo pelo beco. Você acha que é diferente de nós?, gritou. Você é apenas uma mulher, assim como nós. Puxei o meu irmão para longe dos amigos para que pudéssemos ficar debaixo de um flamboyant. As flores vermelhas exalavam o cheiro do fogo e pensei que isso era um presságio, que o meu irmão conheceria o fogo. Preocupava-me com o que aconteceria com ele quando a noite chegasse e os sicários se reunissem sob os cedros, local em que faziam seus planos. Pedi-lhe para renunciar aos meios violentos que adoptara, mas meu irmão, jovem como era, ardia por justiça e uma nova ordem na qual todos os homens fossem iguais. Não posso reconsiderar a minha fé, Yaya. Então considere a sua vida, foi a minha resposta. Para me provocar, Amram riu imitando uma galinha, empertigando o corpo magro e forte e debruçando-se, enquanto batia asas imaginárias. Você quer que eu fique em casa no galinheiro, onde possa me trancar por dentro e ter certeza de que estou seguro?
Ri, apesar dos meus temores. Meu
irmão era corajoso e bonito. Não admirava que o meu pai o favorecesse. Tinha o
cabelo dourado, os olhos escuros, mas salpicados de luz. Nesse momento, vi que
a criança de quem cuidara como uma mãe tornara-se um homem, um homem puro em
suas intenções. Eu não poderia fazer mais do que questionar o caminho que
escolhera. No entanto, estava determinada a agir em seu benefício. Quando meu
irmão voltou para junto dos amigos, continuei para dentro do mercado, chegando
até ao fundo das ruas tortuosas, por fim contornando para um beco pavimentado
com tijolos cinzentos empoeirados. Ouvira dizer que era possível comprar boa
sorte nas proximidades, ali havia uma loja misteriosa de que sussurravam as
mulheres do bairro. Em geral, elas interrompiam a conversa quando eu me
aproximava, mas ficara curiosa e ouvira dizer que, se uma pessoa seguisse a
imagem de um olho rabiscada dentro de um círculo, seria levada a um lugar de
medicamentos e magias. Tomei o caminho do olho até chegar à casa de keshaphim, um tipo de magia
praticada por mulheres, sempre perseguido em segredo. Bati na porta e apareceu
uma velha que me examinou atentamente. Irritada com a minha presença, ela
perguntou porque eu estava ali. Como hesitasse, ela começou a fechar a porta
contra mim, resmungando. Não tenho tempo para alguém que não sabe o que quer,
murmurou. Protecção para o meu irmão, consegui dizer, nervosa demais para
informar mais que isso.
No Templo praticava-se a magia
dos sacerdotes, homens santos ungidos pela oração, escolhidos para oferecer
sacrifícios, tentar milagres e realizar exorcismos, expulsando o mal de que
muitas vezes os homens poderiam estar possuídos. Nas ruas praticava-se a magia
das minim, menosprezadas
pelos sacerdotes, chamadas de charlatãs e impostoras por alguns, muito embora respeitadas
por muitos. As casas de keshaphim, no entanto, eram consideradas os lugares
em que se praticava o tipo mais desprezível de magia, um trabalho de mulheres,
nocivo, vingativo, praticado por aquelas que eram acusadas de bruxas. Mas uma min que realizasse feitiços e maldições jamais falaria
com uma garota como eu se não tivesse prata para entregar e um pai ou irmão
para me recomendar. E se tivesse procurado um dos sacerdotes em busca de um
amuleto, eles o negariam a mim, porque era filha de alguém que lhes fazia oposição.
Até eu sabia que não merecia os seus favores». In Alice Hoffman, As Mulheres do
Deserto, Editora Planeta, 2011, 2013, ISBN 978-854-220-122-2.
Cortesia de EPlaneta/JDACT
JDACT, Alice Hoffman, Literatura, Deserto,