«(…) Largando a bicicleta, que caiu antes que um criado pudesse pegá-la, Aziz saltou para dentro da varanda. O jovem era pura animação: Hamidullah, Hamidullah! Eu me atrasei?, gritou ele. Não se desculpe, disse o anfitrião. Você está sempre atrasado. Responda, por favor, à minha pergunta. Estou atrasado? Mahmoud Ali comeu tudo? Se ele comeu, vou para outro lugar. Senhor Mahmoud Ali, como vai o senhor? Obrigado, doutor Aziz, eu estou morrendo. Morrendo antes do jantar? Ah, pobre Mahmoud Ali! Hamidullah já está morto. Ele faleceu enquanto você vinha subindo de bicicleta. Ah, sim, é isso, disse o outro. Imagine nós dois dirigindo-nos de um outro mundo ao senhor, de um mundo mais feliz. Por acaso no seu mundo mais feliz existem narguilés? Aziz, não brinque. Estamos numa conversa muito triste. O narguilé tinha sido preparado com o tabaco muito comprimido, conforme o costume da casa do seu amigo, e a água gorgolejava melancólica. Ele o manejou habilmente. Cedendo por fim, o tabaco saiu num jacto, penetrou nos seus pulmões e narinas, expulsando a fumaça das fogueiras de esterco de vaca que os havia enchido quando ele passou pedalando pelo bazar. Era delicioso. Aziz ficou ali num transe sensual mas sadio, durante o qual a conversa dos outros dois não lhe pareceu particularmente triste, eles estavam discutindo se era ou não possível ser amigo de um inglês. Mahmoud Ali sustentava que era impossível e Hamidullah discordava, mas com tantas reservas que não havia atrito entre eles. Era realmente delicioso estar deitado na ampla varanda, com a lua subindo diante deles e os criados preparando o jantar lá atrás, e sem nenhuma confusão acontecendo. Bom, veja a minha própria experiência esta manhã. Eu só afirmo que é possível na Inglaterra, respondeu Hamidullah, que muito tempo antes havia estado naquele país, antes da grande migração, e tivera em Cambridge uma recepção cordial. Aqui é impossível. Aziz, o garoto de nariz vermelho insultou-me novamente no tribunal! Eu não o culpo. Disseram-lhe que ele devia insultar-me. Até recentemente ele era um garoto muito bonzinho, mas os outros tomaram conta dele. É, eles não têm chance aqui, é isso que eu acho. Aparecem querendo ser cavalheiros e ouvem dizer que isso não é apropriado. Veja o Lesley, veja o Blakiston, agora é o seu garoto de nariz vermelho, e Fielding será o próximo. Ora, eu me lembro quando o Turton apareceu. Foi numa outra parte da Província. Vocês não vão acreditar, amigos, mas eu andei com o Turton na carruagem dele, o Turton! Ah, sim, houve uma época em que nós éramos muito íntimos. Ele me mostrou a sua colecção de selos.
Hoje
ele é capaz de achar que você a roubaria. Turton! Mas o garoto de nariz vermelho
será bem pior que o Turton! Acho que não. No fim eles são todos iguais, nem
melhores nem piores. Dou a qualquer inglês dois anos, seja ele Turton ou
Burton. A diferença é apenas de uma letra. E dou a qualquer inglesa seis meses.
Todas elas são exactamente iguais. Você não concorda comigo?» In E.M.
Forster, Passagem para a Índia, 1924, 1879, Edição Relógio D’Água, 2017, ISBN
978-989-641-756-7.
Cortesia de ERelógioD’Água/JDACT
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