A Infância de Sofia
«(…) Uma
possível explicação é que o processo do parto quase custou a vida de Joana.
Depois do nascimento de Sofia, a mãe adolescente permaneceu 19 meses confinada
ao leito. Uma segunda explicação é que Joana era ainda muito jovem e suas altas
ambições na vida estavam longe de realizadas. Mas o motivo mais forte,
subjacente, foi que o bebé era menina, e não menino. Ironicamente,
embora ela não pudesse saber então, o nascimento dessa filha viria coroar a
realização da sua vida. Se o bebé tivesse sido o menino tão ardentemente
desejado, e se tivesse vivido até a idade adulta, teria sucedido o pai como príncipe
de Anhalt-Zerbst. Nesse caso, a história da Rússia teria sido diferente e
jamais teria existido o pequeno nicho que Joana Elizabeth conquistou. Dezoito
meses depois do nascimento da filha, Joana deu à luz o filho que foi sua paixão.
Seu amor por esse segundo filho, Guilherme Cristiano, tornou-se ainda mais
intenso quando ela percebeu que a criança tinha um problema sério. O menino,
que parecia sofrer de raquitismo, era a sua obsessão. Ela o acariciava, mimava
e não o perdia de vista, dedicando-lhe toda a afeição que negara à filha.
Sofia, já bem ciente de que seu nascimento havia sido uma decepção para a mãe, observava
o amor com que Joana cercava o irmãozinho. Beijinhos afectuosos, sussurros
carinhosos, ternos afagos concedidos ao menino e Sofia observava. Certamente, é
comum a mãe de um filho com dificuldades ou uma doença crónica dedicar mais
tempo a essa criança, assim como é normal que outras crianças da família se
ressintam dessa afeição desproporcional. Mas a rejeição de Joana por Sofia começara
antes do nascimento de Guilherme e persistiu, de forma ainda mais agravada. O
resultado desse favoritismo materno foi uma ferida permanente. A maioria das
crianças rejeitadas ou negligenciadas em favor de um irmão reage mais ou menos
como Sofia reagiu: para evitar maiores mágoas, bloqueou seus sentimentos. Nada
lhe era dado, e nada era esperado. O pequeno Guilherme, que simplesmente
aceitava a afeição da mãe como coisa normal, não tinha culpa nenhuma da injustiça,
mas mesmo assim Sofia o odiava. Quarenta anos mais tarde, escrevendo suas Memoirs, seu ressentimento ainda
despontava: Disseram-me que não fui recebida com muita alegria. Meu pai achava
que eu era um anjo; minha mãe não prestava muita atenção em mim. Um ano e meio
depois, ela [Joana] deu à luz um menino a quem idolatrou. Eu era meramente
tolerada e frequentemente repreendida com uma violência e raiva que eu não
merecia. Eu sentia isso sem que o motivo estivesse perfeitamente claro em minha
mente.
Guilherme Cristiano não é mais
mencionado nas Memoirs
até sua morte, em 1742, com a idade de 12 anos. Então, o breve relato de
Sofia é puramente clínico: Ele viveu apenas até os 12 anos e morreu de febre
pintada [escarlatina]. Só após sua morte souberam a causa da doença que o
obrigava a andar sempre de muletas e para a qual os remédios sempre lhe eram
dados em vão, e foram consultados os mais famosos médicos da Alemanha.
Aconselharam a levá-lo aos banhos em Baden e Karlsbad, mas a cada vez ele voltava
tão manco quanto antes, e sua perna ficava menor à proporção que se tornava
mais alto. Depois da sua morte, seu corpo foi dissecado e descobriram que o
quadril era deslocado, e deve ter sido assim desde bebé… Na morte dele, minha mãe
ficou inconsolável e foi necessária a presença de toda a família para ajudá-la
a suportar a dor.
Essa amargura apenas sugere o
enorme ressentimento de Sofia com relação à mãe. O mal causado à menina pelas óbvias
demonstrações da preferência de Joana marcou profundamente o carácter de Sofia.
Sua rejeição em criança ajuda a explicar a busca constante, quando mulher, por
aquilo que tinha perdido. Mesmo quando imperatriz Catarina, no auge do poder autocrático,
ela desejava não somente ser admirada por sua mente extraordinária e obedecida
enquanto imperatriz, mas também encontrar o afecto elementar que seu irmão, e não
ela, havia recebido da mãe.
As famílias principescas do século
XVIII, mesmo as de menor importância, mantinham o aparato da classe. As crianças
da nobreza tinham amas, governantas, tutores, professores de música, dança,
equitação e religião para exercitá-las no protocolo, na conduta e nas crenças
das cortes europeias. A etiqueta era primordial; as crianças praticavam
cumprimentos e reverências centenas de vezes até que a perfeição fosse automática.
As aulas de linguagem eram de suma importância. Os jovens príncipes e princesas
tinham de saber falar e escrever em francês, a língua da intelligentsia europeia.
Nas famílias aristocráticas germânicas, a língua alemã era considerada vulgar. A
influência de sua governanta, Elizabeth (Babet) Cardel, foi fundamental nessa época
da vida de Sofia. Babet, francesa huguenote que achou a Alemanha protestante
mais conveniente do que a França católica, foi encarregada de supervisionar a
educação de Sofia. Babet logo entendeu que a frequente beligerância da sua
pupila era fruto da solidão e de uma ânsia por estímulos e afeição. Babet lhe
deu isso. E também deu a Sofia o que veio a ser seu permanente amor pelo idioma
francês, com todas as suas possibilidades de lógica, subtileza, espírito e
vivacidade na escrita e na conversação. As aulas começaram com Les Fables de La Fontaine e
depois passaram a Corneille, Racine e Molière. Boa parte de seus estudos, Sofia
diria mais tarde, havia sido pura memorização. Logo notaram que eu tinha boa
memória; a partir daí, eu era atormentada incessantemente para aprender tudo de
cor. Ainda possuo a Bíblia alemã em que todos os versículos que eu precisava decorar
estão sublinhados com tinta vermelha». In Robert K.
Massie, Catarina a Grande, Editora Rocco, 2012, ISBN 978-853-252-799-8.
Cortesia de ERocco/JDACT
JDACT, Robert K. Massie, Literatura, Conhecimento,